Dê a preferência. Sem uma sinalização obrigatória e imposta, a preferência por comprar de vizinhos, amigos e pessoas próximas segue um costume econômico e cultural que atinge em cheio a renda do trabalhador. De acordo com o educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro, Mauro Calil, todo talento ou conhecimento pode ser transformado em renda. "Em algumas sociedades, em diferentes momentos em que o sustento torna-se difícil, a troca de serviços permite que o dinheiro circule mais rapidamente entre as pessoas e gere riquezas", explica.

Mauro Calil, educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro: "Todo talento ou conhecimento pode ser transformado em renda"
Mauro Calil, educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro: "Todo talento ou conhecimento pode ser transformado em renda" | Foto: Divulgação

Calil situa que a prática remonta ao período anterior à Revolução Industrial, quando a moeda era muito escassa. "A economia colaborativa já era uma realidade desde que o escambo era o recurso existente para realizar a comercialização", explica. O educador financeiro, que trabalha em Londrina, considera também que sua utilização nos dias atuais advém da necessidade. "Ciclos econômicos de depressão severos fazem a economia colaborativa ser resgatada e observamos esse movimento por meio de líderes comunitários e ONGs". E exemplifica: "Ao invés de comprar o pão que você consome diariamente de uma marca industrializada, compre de seu vizinho que tem um produto tão bem feito como o famoso e você contribui diretamente com a renda da família dele".

De acordo com o fundador da Academia do Dinheiro, nesse processo de compra e venda entre pessoas próximas, cada um oferece o que sabe fazer e no Brasil esse é o pontapé de muitos cases de empreendedorismo. "A motivação inicial se dá pela necessidade", lembra. Um aspecto relevante abordado por Calil, que é autor dos livros "Separe uma verba para ser feliz", e "A receita do bolo", ambos da Editora Gente, é a dificuldade em colocar preço no seu trabalho, produto, serviço e saber valorizar o que faz. "A pessoa faz uma geleia para a família, uma pimenta e até o churrasco que é sucesso entre amigos e tudo isso se tornar um produto. Mas é preciso romper a trava e saber cobrar, pois essa é uma crença limitadora no Brasil. Para cobrar a geleia, é só colocar no papel o gasto com ingredientes, embalagem, gás e o tempo dedicado. Pronto, não há do que se envergonhar por isso" ensina.

UM CONDOMÍNIO DE MUITOS TALENTOS

Foto do bazar de condomínio: uma forma de promover a renda entre vizinhos
Foto do bazar de condomínio: uma forma de promover a renda entre vizinhos | Foto: Divulgação

Um bazar realizado recentemente em um condomínio residencial de Londrina reuniu diferentes produtos feitos pelos próprios moradores. A veterinária e síndica da unidade, Ana Beatriz da Costa Ribeiro considera que foi a retomada de uma convivência que ela teve a oportunidade de vivenciar nos tempos em que a sua avó era moradora do edifício. "Cada um ofereceu o que sabe fazer - massas, bolos, panos de prato, adornos de MDF, pijamas, conservas. Foram cerca de 10 participantes e além dos moradores, também nos visitaram familiares e vizinhos de alguns prédios que possuem relação com moradores. Parte da arrecadação da venda foi revertida para a Casa da Sopa. "A proposta era levar apoio a eles e praticar a filantropia", conta.

Em um exercício prático da lei do retorno, é possível considerar que todos os moradores se beneficiaram do bazar. "Temos no whatsApp um grupo de classificados e hoje percebemos que estamos mais integrados e, mesmo respeitando as restrições impostas pela pandemia, nós nos redescobrimos e somos mais cordiais e solidários. Também acreditamos que o fato de prestigiarmos uns aos outros é mais que justo e até mesmo uma grande comodidade. Encomendamos o bolo da vizinha, pois é um produto de qualidade, nos poupa tempo, trânsito e isso ainda pode ser um incentivo para ela empreender e prosperar mais", alegra-se Bia. As irmãs Betinha e Maria Rute Campos participaram do bazar e consideram que foi assertiva a ideia. "Foi tudo muito bem planejado e não sabíamos que podíamos contar tanto uns com outros", comentam.

UM COMEÇO A SER LEMBRADO

Luciane Justo, microempresária  começou negócio por meio de troca de roupas e acessórios com amigas
Luciane Justo, microempresária começou negócio por meio de troca de roupas e acessórios com amigas | Foto: Walkiria Vieira

Luciane Justo é microempresária e atua com moda. Fernanda Souza Gouveia vende empadas, bolos e docinhos. De renda extra, seus negócios são hoje a atividade principal e representam 100% de seus rendimentos. Ambas prosperam em suas escolhas e recordam com muito respeito o começo de suas histórias - que contou com o apoio de amigos e vizinhos, respectivamente.

O bom gosto entre as amigas da então assistente social Luciane Justo foi o ponto de partida de um negócio que começou de modo despretensioso. "Levávamos para o trabalho roupas e acessórios que não usávamos mais e trocávamos umas com as outras no intervalo", explica. O que estivesse parado no armário e já havia desfilado pelos olhos das mulheres, tinha aceitação. "Quando gostávamos de algo já íamos avisando: quando enjoar, já sabe", recorda.

As trocas tomaram uma proporção que o acervo de Justo a encaminhou a transformar sua inclinação em negócio e, há quatro anos, a venda consignada de roupas e acessórios é sua bandeira. Referência no que faz, recentemente a empreendedora ampliou seu espaço e estendeu a reutilização de roupas e a moda sustentável para as crianças. "Antes de a pandemia começar, fazíamos um evento mensal em que diferentes fornecedores vinham até o espaço. Era como uma feira e havia cosméticos naturais, comida, camisetas estilizadas, música e a proposta era que cada um trouxesse os seus clientes e todos fôssemos vistos por mais pessoas - um movimento de networking importante", explica. Em sua loja, Justo abriga objetos de decoração, adornos pessoais de produtores locais e todas as peças são consignadas.

CONFEITEIRA DE MÃO CHEIA

Fernanda  Souza Gouveia, confeiteira: "Meus vizinhos formavam 80% das vendas"
Fernanda Souza Gouveia, confeiteira: "Meus vizinhos formavam 80% das vendas" | Foto: Divulgação

Ser cobaia da expert em empadas Fernanda Souza Gouveia é uma missão literalmente prazerosa. A massa leve e o recheio farto somam opiniões. A chef que fez cursos técnicos de culinária no Senac sempre teve mão boa para a cozinha e foi há cinco anos que passou a fazer das delícias antes servidas na própria mesa e de familiares - uma opção também para quem sentia o cheiro de longe. "O meu início foi apenas com a vizinhança. Eu ia com minha filha Gabi a lojas de roupas, cabeleireiras e manicures pedir que provassem minhas empadas. Eu tenho muita consideração por eles e posso afirmar que 80% das minhas vendas eram destinadas aos vizinhos", lembra.

O popular boca a boca contribuiu para que Gouveia atingisse um público maior e atualmente seus preparos são preferência também no universo corporativo. "O mix hoje tem até coxinha e panqueca. Faço o que amo e estou sempre me aprimorando. Os ingredientes, a apresentação e o sabor são planejados e assim como eu sou acolhida pela minha vizinhança, também valorizo a papelaria, o mercado próximo e sou prova de que essa circulação de dinheiro entre nós pequenos é muito significativa", afirma.

Leia mais

Economia Colaborativa e planejamento diminuem gastos com material escolar:

https://www.folhadelondrina.com.br/economia/economia-colaborativa-e-planejamento-diminuem-gastos-com-material-escolar-2980055e.html

Economia Tradicional x Economia Compartilhada:

https://www.folhadelondrina.com.br/economia/economia-tradicional-x-compartilhada-932007.html

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