São Paulo - A disparada do preço do leite, que teve alta de 41,76% em 12 meses no país, ampliou o número de alimentos de segunda linha oferecidos nas prateleiras dos supermercados. A lista de produtos "fake" inclui leite em pó, iogurte, requeijão, leite condensado, creme de leite e, agora, até mesmo leite UHT (de caixinha).

Os itens, que chegam a custar cerca de 30% menos, são ofertados nas gôndolas ao lado dos originais, com embalagens similares, fazendo com que o consumidor acredite estar adquirindo um produto com a mesma qualidade. Em sua defesa, as marcas afirmam que seguem à risca as regras do Ministério da Agricultura e Pecuária, com informações nos rótulos.

MISTURA LÁCTEA

A reportagem da Folha de S.Paulo percorreu supermercados de grandes redes em duas capitais -São Paulo (SP) e Curitiba (PR) -, além de pesquisar nas lojas online, e encontrou, em todas elas, misturas e compostos lácteos acrescidos de soro e de amido ofertados aos consumidores ao lado de itens originais, que podem induzir a erro na compra.

Na maioria dos casos, o preço era menor, mas há produtos que chegam a custar o mesmo. Além disso, as embalagens são praticamente iguais e há falhas nos rótulos, como má impressão, dificuldade de leitura e informações pouco claras sobre qual é o tipo de produto que está sendo vendido.

Os itens que mais chamam a atenção são a mistura láctea da Nestlé, da linha Moça Pra Toda Família, similar ao tradicional leite condensado Moça, e a bebida láctea UHT (do inglês Ultra High Temperature) Cristina, que tem 60% de soro de leite em sua composição.

LEIA TAMBÉM:

+ Paraná perde 40% dos turistas nos últimos anos
+ Sanepar lança programa de parcelamento de dívidas

+ Cesta básica tem redução de 6,6% em Londrina

RECLAMAÇÕES NAS REDES SOCIAIS

Nas redes sociais, os usuários reclamam das alterações.

Os produtos da linha "Moça Pra Toda Família", da Nestlé, foram lançados em maio deste ano. Segundo a empresa, é uma alternativa à crise. "A Nestlé busca seguir sua jornada de renovação e inovação de portfólio, com soluções que entregam aos consumidores produtos de alta qualidade e com preços mais acessíveis, em especial em cenário de alta inflação."

Há também o creme de leite da nova linha. A Nestlé diz tratar-se de mesmo produto, mas com adição de outros ingredientes, como "soro de leite e amido, o que o torna uma opção para os consumidores que buscam soluções com menor desembolso, sem abrir mão do resultado e da qualidade".

Em 2012, a empresa já havia substituído o leite em pó infantil Ninho por um composto lácteo. Ainda é possível encontrar o leite da marca no mercado, mas o consumidor precisa ficar muito atento aos rótulos. O mesmo ocorre com o desnatado em pó Molico. Há o leite e o composto lácteo, que são diferentes.

SORO DE LEITE VIRALIZA

O produto com 60% de soro de leite Cristina que viralizou nas redes é produzido pela Nova Mix Industrial e Comercial de Alimentos Ltda, conhecida como Quatá, que tem outros produtos em seu portfólio: creme culinário similar a creme de leite e mistura láctea similar ao leite condensado.

A empresa diz que a bebida láctea atende às regras do Ministério da Agricultura e Pecuária. "Bebida láctea é um produto regulamentado [...] e consiste na mistura de ingredientes lácteos, como soro de leite, leite reconstituído ou o próprio leite, podendo ter adição de outros ingredientes não lácteos (como açúcar, achocolatado, por exemplo)", diz, em nota.

Sobre o creme de queijo similar ao requeijão a Nova Mix diz que "é um produto composto principalmente por queijo minas frescal, creme de leite e ricota fresca" e a denominação de venda é "queijo processado".

Já a Mococa, que também vende mistura láctea condensada diz que o produto está no mercado há mais de cinco anos e contém leite, gordura vegetal e outros ingredientes, "sendo uma opção mais econômica para o consumidor".

Procurada, a Itambé e a Serramar não se posicionaram.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Prática fere Código de Defesa do Consumidor, diz advogado Para o advogado Eduardo Rodrigues, especialista em direito do consumidor e sócio do escritório Byron Seabra, os fabricantes envolvidos na polêmica podem estar incorrendo parcialmente em prática de propaganda enganosa, conforme o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor.

Ele explica que, mesmo que as marcas escrevam nas embalagens tratar-se de mistura ou composto lácteo, o fabricante deveria utilizar configuração visual completamente diferente para colocar o produto no mercado. "Nós, no geral, escolhemos os itens no supermercado muito pela publicidade visual. Nossa cultura é muito visual e não de ler", afirma.

CONFEITEIRA NÃO COMPRA PRODUTOS SIMILARES

A confeiteira Patrícia da Silva Pires Felipe, dona da confeitaria Della Casa, diz que ela e o marido, Marcelo Pires Felipe, não compram similares para não alterar a qualidade do produto, mesmo que o preço seja melhor. "O valor praticamente dobrou na comparação do que eu pagava um pouco antes de 2020."

"A gente não tem buscado esses custos porque nossos clientes já conhecem nossos produtos, confiam no nosso trabalho. Então, modificar isso, seria trair o nosso consumidor", diz Patrícia. Segundo ela, a forma de se manter foi reajustar os produtos.

NUTRICIONISTA EXPLICA

Produtos que não levam leite em sua composição são, geralmente, produzidos com subprodutos do leite que seriam descartados, como é o caso do soro, explica a nutricionista Ana Cláudia Mazzonetto.

O soro do leite é retirado na produção do queijo. Antes, era descartado. Agora, a indústria está utilizando-o para produzir outros itens. O leite é o alimento puro, com o qual se produz, além do queijo, manteiga. A união do soro do leite com um pequeno percentual de leite é o que a indústria chama de bebida láctea.

Já o composto lácteo é uma mistura que contém 51% de leite e outros ingredientes, que podem ser açúcares, fibras e vitaminas.

VENDA DE SORO DE LEITE É PERMITIDA, AFIRMA GOVERNO

Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, a venda de soro de leite é permitida no país. No entanto, as empresas devem seguir um regulamento técnico que "fixa os padrões de identidade e os requisitos de qualidade". Dentre as principais exigências está a de que a informação esteja clara no rótulo.

PROCON FISCALIZA

O Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) diz que fiscaliza as práticas e já notificou, além da Quatá, outras marcas por produtos que podem induzir o consumidor ao erro, como o McDonald's, ao lançar o McPicanha (que não tinha picanha), o Burger King, pelo Whopper Costela, ou a Nestlé, pelos produtos da linha Nesfit, que apesar de anunciados como tendo aveia e mel, não tinham esses ingredientes listados.

O órgão diz ainda que o consumidor que se deparar com uma oferta ou venda enganosa pode fazer uma denúncia no site https://www.procon.sp.gov.br/espaco-consumidor/

****

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1