Nunca tantos brasileiros deixaram seus empregos com carteira assinada voluntariamente. Apenas entre janeiro e maio de 2022, 2,9 milhões de brasileiros pediram demissão, o que corresponde a 33,4% dos desligamentos. O Paraná é o 4º estado em que mais pessoas pediram desligamento voluntário e está acima da média nacional. Fica atrás apenas de Santa Catarina (46,5%), Mato Grosso do Sul (42,2%) e Mato Grosso (41%). Os dados fazem parte de levantamento realizado pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), a partir de dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Imagem ilustrativa da imagem 40,2% das demissões registradas no Paraná são voluntárias
| Foto: Folha Arte

A nota da Firjan aponta que um ambiente econômico local favorável é um incentivo para que os trabalhadores decidam pedir demissão, muitas vezes renunciando aos benefícios legais aos quais teriam direito na hipótese de serem demitidos sem justa causa. Prova disso é que os seis estados com maior proporção de demissões voluntárias são aqueles que registraram, no primeiro trimestre de 2022, as menores taxas de desemprego do país.

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Para se ter uma ideia, o ápice de demissões voluntárias antes disso, no Brasil, havia ocorrido em 2013, quando ocorreram 2,7 milhões de demissões voluntárias (29,4%). Em 2005, por exemplo, 900 mil pessoas solicitaram o desligamento voluntariamente, o que representou 20% das demissões daquele ano. Em números absolutos, o recorde anterior para o período de janeiro a maio tinha sido registrado em 2014, quando 2.668.070 trabalhadores com carteira assinada tinham pedido demissão. Naquele ano, o país vivenciava um contexto diferente no mercado de trabalho: em maio de 2014 a taxa de desemprego medida pelo IBGE atingira sua mínima histórica para o mês (7,1%).

Segundo a Firjan, um novo fenômeno tem chamado atenção no mercado de trabalho mundial e recebeu até nome: A Grande Renúncia (ou The Great Resignation, no original em inglês). Este processo é caracterizado pelo alto nível de demissões voluntárias observado nos últimos meses, em diversos países.

Antecipando essa tendência, Patrícia Tavares pediu há dois anos demissão de seu emprego de uma grande rede de lojas de roupas e chegou a publicar em suas redes sociais que, embora estivesse consolidada no emprego anterior, deixou o posto em seu primeiro dia de férias. “Fui viver um mundo completamente novo. Mergulhei nesse mercado, me aprofundei, estudei, me desenvolvi e, embora pareça ter sido fácil, não foi. Precisei de muito apoio de meus pares”, escreveu em sua publicação.

Em entrevista à FOLHA, Tavares, que migrou para a área financeira, relatou que a maioria das pessoas que toma uma decisão dessa, mesmo já estando estabilizado na empresa em que trabalha, é por falta de oportunidades na carreira ou falta de benefícios. "Eu estava num patamar alto de conhecimento, de qualificação e de entrega de resultados e não conseguia ver na outra empresa em que trabalhava a possibilidade de crescimento na carreira, porque eu via outras pessoas que tinham 20 anos de carreira e permaneciam na mesma função. Eu não via como crescer”, declarou.

Outra hipótese levantada por Tavares é que a pandemia trouxe também a reflexão se vale a pena estar naquele tipo de emprego. “Não foi o meu caso, mas às vezes a pessoa opta por ganhar menos, mas fazer o que o que te deixa feliz.”

Segundo ela, hoje o cenário é de escassez de pessoas qualificadas e as empresas não têm esse tempo para poder desenvolver um profissional em começo de carreira. “Então as empresas acabam procurando pessoas que já são qualificadas”, ressaltou. Ela mesma, em seu novo posto, acabou convidando ex-colegas da antiga empresa para trocar de firma.

PROFISSIONAIS DE TECNOLOGIA

Uma tendência observada pela nota da Firjan é que os profissionais ligados à área de tecnologia foram os que mais se desligaram voluntariamente. A radiografia das demissões voluntárias apresentada neste estudo permite enxergar, por exemplo, considerando o grupo de profissionais de até 24 anos, com pelo menos nível superior, atuando como profissional de informática, 76% dos contratos de trabalho encerrados em 2022 foram voluntários.

Nos cinco primeiros meses de 2022, o salário médio de contratação desse funcionário hipotético foi de R$4.935, uma valorização real de 6% em relação ao acumulado de janeiro a maio de 2021. Para efeitos de comparação, o salário de admissão do trabalhador brasileiro médio no mesmo período foi de R$ 1.924, uma redução de 4,3% frente ao mesmo período do ano passado, já descontados os efeitos da inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços aos Consumidor)/IBGE.

Das 10 profissões que mais tomaram essa decisão de janeiro a maio deste ano, seis são da área de informática ou da tecnologia da informação. Os profissionais da informática foram o subgrupo ocupacional com maior proporção de desligamentos voluntários (65,1%), seguidos pelo técnicos em informática (57,9%), pesquisadores (57,0%) e profissionais da medicina (56,5%).

De acordo com o economista Marco Rambalducci, coordenador do NuPEA (Núcleo de Pesquisas Econômicas Aplicadas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná em Londrina), a demanda por profissionais com formação técnica, especialmente dos ligados à área de informática, está muito acima da oferta. “Nós temos muito mais empresas querendo contratar do que gente com essa formação. Então é natural que as empresas passem a oferecer melhores condições de salários, à medida que elas vão necessitando aumentar o seu quadro de funcionários. Mas também é de se observar que os jovens, especialmente dessas áreas, após encontrarem seu primeiro emprego e ganharem experiência, se tornem mais competitivos no mercado de trabalho e com a possibilidade de melhorar na carreira.”

Rambalducci aponta que um terceiro fator que precisa ser considerado são aquelas pessoas que conseguiram trabalhar em atividades abaixo das suas qualificações e, na medida em que a economia caminha para a recuperação, esses profissionais vão ao encontro de atividades "mais nobres". "A gente já percebeu isso em alguns outros momentos. Eu me lembro que logo antes da pandemia, quando o setor da construção civil estava aquecido, era muito difícil conseguir pedreiros para realizar o serviço e o salário era muito mais alto do que os empresários estavam acostumados a pagar. É uma questão de oferta e demanda.”

Sobre a diferença de característica da Grande Renúncia entre os Estados Unidos e o Brasil, já que as demissões voluntárias por aqui são mais comuns entre os que têm diploma, ele explicou que nos EUA a taxa de desemprego é muito inferior à que existe no Brasil. “Além do que, nos EUA, o subsídio dado ao desempregado é muito maior, então a pessoa se sente muito confortável em sair do emprego e deixar de trabalhar e fica vivendo com uma transferência de renda do governo. Aqui também existe essa transferência de renda, mas num patamar muito menor”, apontou.

Questionado sobre a migração de profissionais de TI para o exterior, Rambalducci diz que isso pode ter a sua influência, embora seja muito mais restrita. “Ela exige que a pessoa tenha um bom domínio do idioma, principalmente para aqueles empregos de maior graduação. Isso acaba restringindo muito a possibilidade de migração e atinge somente uma determinada categoria de profissionais, mas já muito restrita.”

Além dos trabalhadores que se encaixam neste perfil, o economista vislumbra essa demissão voluntária em alguns segmentos na área de vendas. “Caso as empresas deixem de adotar soluções que contemplem o trabalho fora, vão começar a perder muitos trabalhadores. Hoje o trabalhador deseja ter o seu próprio horário de trabalho e prefere trabalhar onde ele deseja. O trabalho remoto passou a ser interessante para uma parte significativa desses trabalhadores”, concluiu.

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