| |

AOS DOMINGOS PELLEGRINI 5m de leitura

Tatuagem no coração: O primeiro amor

ATUALIZAÇÃO
09 de fevereiro de 2020

Domingos Pellegrini
AUTOR

Hoje a Escola Rui Barbosa é baita colégio em Cornélio Procópio mas, em 1959, tinha quatro turmas do então curso primário e apenas duas professoras, mãe e filha, em duas salas de aula, uma no fundo da casa e outra na frente, onde eu sentava ao lado de janela que abria para a calçada. Mas logo deixei de olhar para fora, atento à colega da carteira em frente, a Lenice, bonita como só e indiferente como que, não dava qualquer sinal de que eu existisse.

Eu tinha dez/onze anos, a usina de hormônios toda ativa, e no desfile de Sete de Setembro toquei bumbo, com a farda de gala e esperança de que finalmente ela me visse; mas ela foi porta-bandeira e só olhou em frente.

.
 

De volta às aulas no calor da primavera, eu só via gotinhas de suor descendo pelos pelinhos da nuca de Lenice. Ao mesmo tempo, me apaixonei também pelo rock-and-roll, via várias vezes cada filme de Elvis Presley. Então dona Cida, a professora filha, falou que, na festa-show de fim de ano, os formandos deveriam se apresentar cantando, tocando ou declamando, e eu falei que ia dançar. Até então só dançava em casa, na frente do espelho do guarda-roupa, mas pensei em me mostrar a Lenice de um jeito que ela não pudesse desconhecer. Dona Cida disse que ninguém nunca tinha dançado e, no dia, com a sala do fundo lotada de pais, gente até nas janelas, a agulha desceu no meu disco de Little Richard.

Começou a música Tutti Frutti e fechei os olhos dançando – ou pulando feito cabrito conforme minha mãe. No meio da música abri os olhos, estavam todos estupefatos, minha mãe atônita – mas Lenice me olhava de boca aberta com grandes olhos. Voltei a fechar os meus, dançando até bater o pé junto com o acorde final e... silêncio.

Abri os olhos como se olhasse uma fotografia, todos parados ainda em silêncio, bocas abertas de espanto mas Lenice sorrindo para mim! E então dona Iolanda, a professora mãe, levantou os braços e começou a aplaudir, com palmadas firmes logo seguidas por todos, e me vi recebendo o maior dos aplausos, Lenice me olhando com gosto e talvez até orgulho!

Então alguém gritou bis e o coro se fez, bis, bis! Dona Cida voltou a descer a agulha no disco e voltei a dançar, com todos batendo palmas no ritmo e Lenice me lambendo com os olhos. Mas, no meio da música, comecei a perceber que faltava fôlego, até me render: - Não aguento mais!

Fui mais aplaudido ainda, minha mãe com lágrimas de orgulho, Lenice aos pulinhos. Recebi abraços, tapas nos ombros e elogios em penca mas, quando procurei, cadê Lenice. No dia seguinte, fui a Londrina para as férias com o pai, esperando na volta ver Lenice que decerto me veria com outros olhos.

Tinha esquecido que agora ia para o curso ginasial no Colégio Estadual Castro Alves – onde cadê Lenice? Nunca mais vi. E só depois já adulto, lendo Mira Y Lopez, descobri que, dançando para ela, aprendi a lidar com o medo, um dos gigantes da alma, e também domei a vergonha. Assim meu primeiro amor nunca mais me deixou.

PUBLICAÇÕES RELACIONADAS