Visões de mundo são elaboradas ao longo de muito tempo. Na prática, sofrem alterações e acréscimos a todo instante, no embate que travam com a vida em sociedade. As escolhas que fazemos dependem, portanto, das nossas trajetórias, dos caminhos percorridos da infância à maturidade. Fora disso, tudo é sempre bem mais complicado de entender e explicar.

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Dia desses me perguntaram por que as pessoas decidem votar no candidato A ou no B. A questão é boa, mas não se dá a grandes facilidades. Respondi que depende dos itinerários de vida de cada um, das convicções que aos poucos vão se constituindo, É praticamente inútil discursar em favor desta ou daquela ideia: as escolhas são previamente cotejadas, portanto, no decurso da existência; não surgem do nada, nem se modificam mediante palavras ou insistências alheias. O voto, em suma, é um estar-no-mundo.

É por isso que se leva tanto tempo para construir uma democracia. Como ideia que se realiza na prática, ela – a democracia – requer mentalidades que a defendam e a cultivem. Não será o discurso nem o voto num determinado momento que irá trazer à luz a vida democrática. Para todos os efeitos, ela depende da irradiação de visões de mundo efetivamente abertas e corajosas. Depende, por isso, da inevitável e lenta passagem dos anos, das décadas.

Nesse sentido, uma sociedade democrática é exigente; requer que alguns critérios sejam observados por seus cidadãos. Em primeiro lugar, é indispensável que se admita a existência de desigualdades entre os indivíduos e grupos – só assim fenômenos como a fome serão compreendidos e combatidos. Não há democracia onde coexistem fartura e miséria.

É preciso também, em segundo lugar e assim por diante, que políticas públicas sejam promovidas em prol de uma mais equitativa distribuição da riqueza coletiva. Ao mesmo tempo, a saúde e a ciência devem ter lugar de destaque nas preocupações gerais, sejam de governados, sejam de governantes. A violência e o ódio devem ser enfrentados com sentimento de fraternidade e justiça: não cabem na democracia a intolerância e o receio contra a diversidade. A excelência é a pluralidade.

Valorizar a cultura e a educação, tratando-as como eixos civilizatórios, é uma forma de conter a mentira na política, esse mal que a tudo ataca. Onde prevalecem os valores da sensibilidade e da criação, fenecem os ardis da intriga e da falsidade.

A cereja do bolo democrático é o enfrentamento de toda forma de autoritarismo, desde os que se praticam no cotidiano até aqueles que eventualmente seduzam as maiores autoridades. Só há visões de mundo plurais e convergentes em espaços públicos de partilha e responsabilidades comuns. No atual mundo das “bolhas”, a democracia é apenas uma miragem.

Para evitar catástrofes iliberais e antidemocráticas (Brasil hoje?), é preciso alimentar a democracia desde o berço, a partir de uma formação humanista para todos os espíritos individuais. Outras saídas não passam de meras promessas eleitoreiras.

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