Um sentimento de tristeza me toma toda vez que passo pela Rua Paranaguá, esquina com a Rua Pistóia, no centro de Londrina, onde um imenso terreno vazio tem lugar. Ali, bem pertinho de onde moro, ficava a casa do Professor Leonardo Prota (1930-2016), meu compadre, quase-pai e melhor amigo.

A tristeza se dá, é claro, por não poder mais visitá-lo, abraçá-lo, passar preciosos momentos conversando sobre a vida e suas tantas sinuosidades. Dá-se também porque não é mais possível admirar a velha casa que tanta inteligência e sensibilidade abrigou. Prota cultivava o lar, espaço em que lia os jornais, escrevia, pensava com pertinência acerca da realidade. De sua morada irradiava uma sabedoria ímpar, um jeito amistoso de se relacionar com o mundo. Prota sabia combinar como poucos a crítica sagaz com a ternura irrevogável. Era um verdadeiro “gentleman”.

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Estivemos próximos por quase 15 anos, período em que pude desfrutar de sua companhia, de sua proteção, de todo o seu bem-querer. Nossas vidas se cruzaram por acaso e nunca mais se separaram. Lembro das manhãs de sábado quando o telefone tocava: era ele, pedindo “socorro” para configurar um texto ao computador ou imprimir um documento que ele iria apresentar em uma das reuniões de suas queridas academias. De novo, era oportunidade de usufruir da hospitalidade do casal Leonardo e Lesi, cuja união ultrapassou os limites da vida.

House project on the meadow. Concept of dreams about a new home. Contours of the house in 3d on a meadow.
House project on the meadow. Concept of dreams about a new home. Contours of the house in 3d on a meadow. | Foto: iStock

Após a partida do casal – para um lugar em que, com certeza, vivem os melhores dentre nós –, a casa ficou abandonada; depois de muita deterioração, foi incendiada e, por fim, demolida. Acompanhei de perto esse longo e doloroso processo. A cada momento do desmanche, a saudade era maior. Foi e ainda é inevitável não rememorar tanta coisa que pude viver ali. A casa de Leonardo Prota era tão somente para amigos de estreitos vínculos e grandes sintonias – e eu me orgulho de ter sido um dos escolhidos.

As convicções liberais de Prota me serviram de antídoto contra o fanatismo. Graças às suas lições e ponderações, pude avaliar com mais cuidado minhas predisposições revolucionárias e encontrar um ponto de equilíbrio entre desejo e ação, pensar e mover-me pelo mundo. A generosidade intelectual de Prota era tão grande que se fazia fácil perceber seu interesse pelas minhas personagens favoritas, Hannah Arendt e Walter Benjamin. Ele me ouvia, perguntava coisas interessantes, motivava-me a toda hora. Acima de tudo, depositava fé em mim. Isso não dá para esquecer. Nunca.

Se vivêssemos num país sério, a casa de Leonardo Prota teria sido tombada pelo Patrimônio Histórico e se convertido em uma instituição de cultura e ideias filosóficas. Isso daria oportunidade de ilustrar muita gente, além de dar a conhecer uma figura rara, gigantesca, muito maior que sua fragilidade humana. Eu, por dádiva, guardo comigo a história de Prota e seu lar, um lugar de vivas experiências de grandeza e solidariedade – um oásis real e simbólico que foi fundamental em minha formação e em minha maneira de estar-no-mundo.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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