Em 2010 publiquei o livro "Todas as Mulheres em Mim", editoras Atrito Art e Kan, para ressoar muitas vozes femininas. Neste fim de semana, resgato a voz de Ana, uma sonhadora, presente em dois textos do livro. E de outra mulher, anônima e coletiva.

1 minuto de imaginação

Ela fazia uma aula prática: “Como desenhar nas nuvens.” Desenhar não é bem a palavra, talvez seja “desdesenhar”. Porque é difícil construir com o vento, criar um cavalo com as patas sopradas. Então, Ana virou a ideia do avesso: “Melhor desconstruir um animal, que se transforma em planta, uma planta aquática, com as extremidades se alongando como água-viva, inflável.”

O exercício de desenhar nas nuvens é coisa da infância de Ana. Reminiscências, palavra bonita como cintilância ou luminescência que parece a junção das duas coisas. Só parece. Ana pensou que é bonito escrever. Tão bonito quanto olhar as nuvens que se “desdesenham.” Escrever e imaginar tornam as emoções flexíveis, elas se movem quando tocadas por uma leveza insuspeitada, destas que nascem de um sentido qualquer de liberdade. A liberdade pode ser imensa ou uma coisinha assim, à toa. Como imaginar desenhos e palavras, percebendo que um projeto de mundo cabe no instante.

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Viagens de Ana

Dentro de Ana há muitas paisagens. Às vezes ela atravessa desertos, mergulha em oceanos, deita em nuvens de algodão. Nas paisagens há rostos conhecidos e uma multidão de desconhecidos a serem descobertos.

Não fosse o milagre do inusitado, a vida teria menos emoção, menos vibração, Ana estaria encolhida à condição do senso comum, onde tudo é igual.

Ela prefere aventurar-se , ainda que aparentemente não esteja em movimento. Seu corpo permanece estático, mas seu espírito entra e sai do futuro. As paisagens a conduzem à vida nômade, onde percorre estradas que só ela visita. Elas mostram como sobreviver às intempéries e Ana as exprimenta, ainda que ninguém o saiba.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Sentimentos mínimos

As mulheres dão atenção a detalhes, a coisinhas. A agulhas, linhas , botões, caixas, miçangas. (...)

Ao mesmo tempo, a visão aparente de pouco alcance nos dá a concentração para a imensa paisagem interior, onde se estendem afetos, o amor como um lençol gigante, a estrada da emoção sem fim. Enquanto enfiamos miçangas na linha, os pensamentos voam. Mergulhamos na interioridade nestes momentos aparentemente ingênuos e, de certa forma, artesanais.

Para mim, o artesanato é do pensamento, assim como a escrita que se destina ao mundo, mas primeiro, antes de tudo, é um enfiar de letrinhas, como contas e miçangas no papel em branco. Às vezes faço colares de pensamentos. Pequenos pensamentos, aparentemente sem importância., mas sinto cada pedrinha que se move dentro de mim e revelo as impressões aos poucos. O atrito é muito delicado.

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A opinião da colunista não reflete, necesariamente, a da Folha de Londrina.

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