Quem assiste a 'Pantanal' sabe que as personagens da novela usam xampu de determinada marca, nem Juma escapou de lavar as madeixas no chuveiro de água quente com um xampuzinho cheiroso desde que foi à casa de Jove no Rio e, depois, quando ficou na casa do sogro Zé Leôncio onde não faltam esses luxos.

Não deixo de achar engraçadas e exageradas as manobras dos marqueteiros e também do diretor da novela para inserir anúncios na trama das formas mais absurdas. Outro dia, o peão Tibério ensinava dona Mariana a usar um aplicativo de banco. Ficou lá, mostrando como se faz transferências e sabe de saldos e aplicações. Enquanto os grilos cantavam na janela, a internet da fazenda não falhou nem uma vez. Eita!!! Fiquei pensando que a conexão da fazenda é melhor que a daqui de casa.

Antes da festa de casamento de Jove e Juma, Muda e Tibério, foi a vez de Filó encomendar cerveja ao contato de Campo de Grande exigindo que fosse de determinada marca. A graça foi ela falar "câmbio finar" na ligação via internet. Mas a marca anunciada mais de uma vez, em cenas improváveis, também chamou a atenção do telespectador.

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O merchandising não é novidade! Surgiu nos anos 1930, primeiro nas lojas de autosserviço dos EUA, que criavam vitrines com produtos x, y ou z, e migrou para outras mídias há muito tempo, em anúncios que hoje vão de perfumes a implantes dentários.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Mas o merchandising não se restringe à venda de um produto, já que também aparece nos pacotes de "vendas de ideias." Se a novela dos anos 1990 estava longe de ser politicamente correta, a nova versão aparece com novidades capazes de fazerem um marruá cair na risada. O jovem Jove, por exemplo, que vivia no Rio de Janeiro praticando esportes radicais, hoje habita o Pantanal com chapelão, botas e cinturão com cinco fivelas. Larga a mão!

Jove, para se impor junto aos peões, não precisaria dar socos para provar que é macho nem cuspir no chão. Bastaria fazer um voo de wingsuit - aquele esporte em que os praticantes usam uma roupa que parece um pássaro - como no início da novela, sem mudar completamente a personalidade para se adaptar ao que um menino do Rio dificilmente faria no meio do mato. Já pensaram no assombro de Jove praticar wingsuit em vez de laçar bois? Não encontro explicação para ele nunca mais ter voado, a não ser no avião do pai.

Jove também era vegano antes de usar o laço. Agora não se sabe mais onde foram parar seus hábitos alimentares e, ainda que coma alface, um vegano de verdade também não toparia ser dono de um plantel bovino que se espalha pelo Brasil em cinco fazendas de Zé Leôncio.

O fato é que o discurso politicamente correto é necessário na nova versão da novela, mas as contradições são gritantes.

Se as tentativas de romantizar a crueza do Pantanal, queimado e explorado muitas vezes, são pra lá de inverossímeis, dar um toque ambientalista ao mundão da pecuária e da exportação de carne não deixa de ser uma tentativa de "fazer a coisa certa", pelo menos para telespectadores que também acreditam em Papai Noel.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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