No café da manhã, quando ele escuta o barulho da embalagem, vem correndo até a mesa e estende a pata para ganhar um pedacinho de presunto. Meus filhos dizem que não devo dar esse tipo de comida para o gato, dizem que tem muito sal, e que eu também deveria evitá-lo. Retruco que, na verdade, como pouco e se insisto é porque as minhas manhãs e as do gato seriam tediosas sem a fatia fininha que virou parte de uma grande brincadeira. É sempre um pedaço pra mim e um quinto para o bichano.

A situação me faz pensar na autocensura e nas coisas que cortamos porque "fazem mal." Com todo respeito às dietas, sou do tipo que não desiste da batata frita, do frango à passarinho, da massa caprichada porque estão na lista das "comidas malditas." Gosto de comer o que sinto vontade e o gato compartilha comigo. Não seríamos felizes só com arroz sem tempero ou ração insossa. Gostamos de aproveitar as pequenas delícias e, como os bichos imitam o dono, está fora de cogitação comermos alpiste porque "é mais saudável."

Não dispenso saladas de folhas ou legumes, ponho azeite em quase tudo e nisso o gato não me acompanha porque, para ele, a graça está em pegar no ar o pedacinho de presunto, curvando as garras como se fosse um garfo, num malabarismo circense

Em campanha doméstica pela gula do gato e pela minha gula, explico aos filhos que de alguma coisa sempre iremos morrer. É inevitável com ou sem sal, com ou sem açúcar, com batata frita ou só com batata doce cozida. Definitivamente, minha vocação para suspender pequenos e grandes prazeres é quase nula. Acho mesmo que os hábitos de algumas pessoas são sua marca registrada.

Já pensaram em Winston Churchill sem charuto, Jack Kerouac sem o álcool e Marião Bortolotto sem aquela garrafa de bourbon? Não tem graça nenhuma ir à Itália e não beber vinho, ficar no Brasil sem feijoada ou no Japão sem saquê. Pior ainda é um alemão sem cerveja, um americano sem hambúrguer, um argentino sem alfajores e um mexicano que não come tacos.

Aos certinhos desejo boa saúde.

Aos "sem conserto", a celebração de cada dia. E continuo nas manhãs com meu gato e o pedacinho de presunto, equilibrado entre meus dedos e sua garrinha afiada, indicando que o bicho ainda vai comer de garfo e faca.

A diversão não tem preço.