Quem planta sabe como é bão plantar depois de chuva. A terra úmida se deixa penetrar fácil, quebrando-se miudamente, ao contrário da terra seca que é dura de penetrar e se quebra em também duros torrões. Como a geada matou várias arvorezinhas que cresciam felizes no quintal, passado o estupor, esperamos chuva para plantar novas árvores de espécies resistentes ao frio.

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Começamos no meio da tarde, quando começou a passar um vento com cheirinho de chuva. Apressamos então o processo: abrir a cova, adubar com esterco curtido, tirar a muda de seu saco com cuidado para não desterroar, enfiar na terra desejando uma vida longa, fechar a cova com humus e a terra revolvida, onde minhocas atestam o acerto de deixar o solo sempre recoberto de palhada das podas do jardim e do gramado. Com passarinhos cantando no arredor, torna-se uma celebração coletiva.

Mais ainda, foi um raro evento, palavra que já contém vento. Pois o vento aumentou, trovoada já ribombando atrás do morro, e nós amarrando a estaca da última árvorezinha plantada. Foi dar o último nó, e trovão quebrou o céu com estrondo acima de nossas cabeças e corremos para casa já em chuva de cegar. Só depois do toró vimos nossas arvorezinhas já de chuva tomada no seu novo lugar no mundo, dourando-se ao sol porque o vento resolveu abrir uma brecha de nuvens no poente. Com tal iluminação, foi um evento raro, a chuva em seguidinha do plantio, bênção do céu ao suor na terra.

Londrina não nasceu em beira de rio ou cruzamento de estrada, como tantas cidades; nasceu da terra, que era o que vendia sua primeira empresa, a Companhia de Terras, uma terra embrulhada em esperança de nova vida.

As datas mais transformadoras de nossa História vem da terra, as geadas de 1955 e 75, uma encerrando a “velha” Londrina rural, a outra começando a nova Londrina metrópole.

Meus pais viveram da terra, hospedando gente na Pensão Alto Paraná, os peões que derrubavam mata para a cafeicultura. E meu pai barbeiro só conseguiu comprar a pensão por guardar o que ganhava nos sábados, quando ia a cavalo ao distrito da Warta fazer barba e cabelo dos peões que vinham festar em Londrina. Seo Carlos Strass emprestava cadeira, e ele passava o dia trabalhando debaixo de árvore onde a terra escurecia de tantos cabelos.

Na pensão, aqueles homens da terra sentavam em tijolos ao redor do fogo do tacho de sabão, para fazer o que faziam seus ancestrais quando inventaram a linguagem: conversar, trocar experiências, contar histórias. Menino, eu ouvia tanto que alguns me passavam na cabeça a mão encaroçada de calos, calos da terra.

Meu primeiro livro teria contos da terra vermelha, escritos em Brasileirão, a língua londrinense herdeira de palavras e modos de falar do Brasil todo, de onde vieram nossos pioneiros. E meu romance maior é Terra Vermelha.

Amigo diz que, quando sobra um dinheirinho pra investir, compra terrenos:

- Carro, apartamento, tudo se faz. Mas, depois de feita, ninguém mais fez terra!

Pé-vermelho tem terra no coração.