Fiz essa foto aí para comemorar vinte anos de casamento com Dalva, usando como fundo a porta da geladeira, e fiquei relembrando. Quando eu já tinha quatro filhos e ela duas filhas, nos conhecemos num bar dançante, quando eu não ia mais a bares e ela a bares nunca ia.

Ela gosta de contar que uma amiga perguntou se ela não via que eu olhava para ela a dançar sozinha, e ela respondeu que não podia ver porque estava sem as lentes de contato, que aliás deixaria de usar. E então, conta ela, fui lhe falar no ouvido que ia ao carro trocar os tênis por sapatos para a gente dançar.

Diz ela que foi a mais estranha das cantadas, já eu acho que mais estranho foi estar com sapatos no carro, coisa que nunca fiz a não ser na noite em que nos conhecemos, e assim aqueles sapatos marcaram o começo da nossa caminhada.

Trocamos cartões e depois nos encontramos para jantar, em restaurante de móveis artesanais, feitos de madeira reciclada, como a prenunciar a reciclagem de nossas vidas. Ali peguei sua mão para perguntar se a gente ia se ver de novo, e ela respondeu olhando nos olhos:

- Só se for pra namorar firme.

Namoramos firme até o dia em que ela disse estar cansada de levar sacola de roupa da sua casa para a minha e vice-versa, então convidei para morar juntos, e ela:

- Só se for pra casar.

Respondi imediatamente, casamos e, 22 anos depois, continuamos uma das bilhões de provas vivas de que o casamento é a maior das invenções, até porque se não houvesse casamentos ou não haveria a espécie humana ou seríamos bem diferentes. Pois afinal foi a monogamia que botou casais em redor da fogueira durante tempo suficiente para se desenvolver a linguagem, começo da humanidade.

Somos na maioria filhos de casamentos, em redor dos quais orbitam as famílias e se faz a sociedade, sendo assim a mais antiga e produtiva das instituições. Mas cada casamento, olhado de perto, nunca é um mar de rosas, até porque parece se firmar nas diferenças entre o casal.

Dalva gosta de limpeza, tudo sempre limpinho, eu gosto de ordem, cada coisa no seu lugarzinho. Digo que ela tem mania de limpação, ela diz que tenho mania de arrumação, mas o fato é que assim vivemos numa casa sempre limpa e arrumada. Pois casamento não é soma, é sinergia, quando cada um faz e pode mais graças ao apoio do outro, combinando o ritmo de andar pela vida, comungando do gosto de tocar uma casa e compartilhar famílias.

Além disso, ganhei uma sogra e três cunhados que desmentem tudo que de mal se fala de sogras e cunhados.

Ganhei também mais duas filhas e, delas, mais netos, que, a certa altura ou lonjura da vida, são o que de melhor se pode ter, sabendo que ter é só modo de dizer, pois filhos e netos são do mundo.

E casamentos são o que de mais bonito a humanidade produz, principalmente nos recônditos - na íntima confiança na parceria, nos pés juntos debaixo das cobertas, no silêncio compartilhado, no amor no olhar, no carinho repentino, na visão de que o casaco branco com os cabelos brancos combinam bem com a porta da geladeira. E eis o retrato de um casamento.

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