Vou com a neta Yara passear na lagoa, ela vê flor vermelha e fala que combina com sua blusa, e já faz pose para a foto. Fico pensando nos dons e vocações, ou, como se diz, no “jeito pra que” de cada um, e ela decerto será atriz.

Além de posar, a menininha gosta de falar que só vendo, ou melhor, ouvindo: fala sobre tudo que vê, como quem distribui sabenças antigas e descobertas recentes. Só se cala quando lhe conto que havia quatro gansos na lagoa e agora só há um, e ela fica olhando a ave branca a deslizar na água, depois pergunta onde foram os outros.

LEIA TAMBÉM

As grandes palavrinhas

Digo que foram viajar (pensando porém que podem ter acabado nas garras de algum gato do mato). Conto que gansos viajam até para terras longe, e ela desata a falar de bichos de histórias que ouviu e viu. Faz caras e bocas, séria, mas de repente ri, e penso que sim, será atriz.

Então um pato mergulha, demora para voltar à tona, digo que estava caçando o que comer, na natureza é assim, os bichos se caçam e se comem pra viver, e ela volta a olhar o ganso até perguntar:

- Mas não será, vô, que então algum bicho comeu os gansos?

Concordo, sim, talvez, e penso: essa menina vai ser investigadora. E continuamos contornando a lagoa, vendo como de repente o vento desenha na água, e ela:

- Daonde vem o vento, vô?

Digo que o vento vem da boca do mundo, que é lá no horizonte, aponto e ela fica olhando, até falar como para si mesma:

- E tem hora que o vento cansa de ventar, né – e já emenda olhando o céu: - Pra onde as nuvens vão, vô?

Digo que as nuvens são levadas pelo vento lá para a boca do mundo, que mastiga elas e devolve como chuva – aí penso: como é curiosa! Decerto vai ser jornalista.

Então ela aponta um morro onde um trator prepara plantio, pergunta se é o trator que fez o morro, digo que não, que o morro veio do fundo do mundo, na forma de lava, e mostro um vulcão no celular. Conto que tudo que vemos hoje foi só lava então, lava que virou rocha, que foi se quebrando em pedras, virando terra que deu plantas e bichos e gente.

Ela fica olhando o morro e enfim pergunta se isso é verdade ou é história, e penso que vai ser promotora, quer a verdade. Em seguida ela aponta pata ou pato nadando ao lado da gansa ou ganso, e pergunta se eles casaram. Digo que não, são bichos diferentes e bicho só casa com bicho igual. Daí ela fica pensandinho até concluir:

- Bicho é que nem gente, né, vô?

Penso em dizer que porém bichos não tem guerra nem pensa em conquistas, não tem martírios nem massacres, embora também não tenham arte nem cultura, nem culinária nem religião, nem ética nem sorvete, mas não digo nada. Fico pensando que ela ama bichos, desde o cachorro e os gatos de casa, e quer ficar de bem com eles, a todos humanizando. Será que se tornará política?

Então digo que sim, bichos são como gente nalgumas coisas, como noutras coisas gente age como bicho. E voltamos para casa, onde perguntam se gostou do passeio e ela diz que sim, mas algum bicho comeu os gansos e os morros vieram do fundo do mundo. Me olham com grandes olhos a perguntar o que falei para a menina, enquanto penso que talvez ela vai ser é escritora.