Lá no meio do século passado, fazia sucesso o desenho do Ano Velho com cajado e barba até os pés, diante do Ano Novo ainda a engatinhar. Apesar de enganosamente mostrar que o tempo envelhece, enquanto quem envelhece somos nós, o velho desenho nos lembra que vivemos entre novidades e velhidades.

Os netos trazem nova vida para os avós, me diz alguém, acrescendo que entretanto lamenta não ter mais o corpo de quando não tinha netos:

- Quando fui pai, pais ainda pouco carregavam filho no colo. E, hoje, quando posso carregar os netos, a coluna não deixa...

Nosso velho mundo humano vive o tempo da mais rápida sucessão de novidades na História, numa sequência vertiginosa que começou na Segunda Guerra.

A Alemanha só não invadiu a Inglaterra, mudando a História que conhecemos hoje, porque a Real Força Aérea inglesa venceu no céu a Luftwaffe alemã, graças a uma novidade tecnológica, o radar. E aquela guerra seria encerrada por outra novidade, a bomba atômica, maior evidência de que nem todo nova tecnologia só gera coisas boas.

Os pioneiros radares detectavam bem antes os aviões alemães, assim os poucos caças ingleses podiam contratacar prontamente, e sem dominar os ares Hitler resolveu adiar a invasão da Inglaterra para o ano seguinte e...

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. | Foto: iStock

É uma velha verdade: tudo muda de um ano para outro, mesmo que os fatos se repitam parecendo não mudar mas, como as nuvens, mudam sem parar.

Se tudo não estivesse sempre em mutação, as ditaduras, por exemplo, seriam eternas. É memorável o espanto de tantos ditadores no século 20, primeiro deslumbrados com a própria ascensão, depois espantados com a repentina queda.

Que novidade fabulosa foi a queda do velho Muro de Berlim, nunca tantas ditaduras caindo em tão pouco tempo! Entretanto, gerou novas repúblicas mas em velhos países, com antigos ódios renascendo, ao mesmo tempo consagrando a democracia porém até com neonazistas...

Parece que, como a vida e a morte se completam, o velho e o novo também se alimentam. Por exemplo a net: turbinou a expressão civil e a organização comunitária, inclusive renovando o velho abaixo-assinado, mas também ampliou a velharia velhaca dos boatos, das mentiras e da difamação.

Envelheci novamente, dirá o Ano Velho – e eu vou envelhecer, dirá o Ano Novo. Só esperemos que, além das mesmices como o ainda despreparo dos políticos e da sociedade para a república e a democracia, 2021 nos traga boas novidades e bastante doses não só de vacinas como de bom senso.

O bom senso é a vacina contra ideologias totalitárias, utopias revolucionárias, negação dos fatos, pregação de soluções mágicas, líderes míticos, cegueiras convenientes, surdez voluntária.

Por isso sempre imagino o Ano Velho dizendo: - Tenha bom senso! – mas o Ano Novo, de tão novo, não entende o que diz o Ano Velho, como não ouvimos o que tentaram nos dizer nossos pais e nossos avós, diplomados pela vida na Escola do Bom Senso. Que nem precisa Enem. Mas se bom senso pudesse ser distribuído como vacinação, a vida decerto não seria tão estressante mas também não tão interessante, não?