Detalhes tão pequenos de nós dois, dizem Erasmo e Roberto, sacando que as lembranças vem das miudezas, e a gente nunca sabe quando um detalhe será fisgado do passado.

Menininho, fui procurar minha primeira toca perto do chão, deitando encolhido no grande pedal da máquina de costura da mãe. Era meu cantinho da casa, e, vejo hoje, também meu primeiro brinquedo de criação própria, além de primeira atitude de independência, e nada lembro do ambiente, mas não esqueço o detalhe da marca Singer da máquina.

Depois lembro difusamente do cão pastor Perigo e do galinho Conrado (que ganhei ainda pintinho na escola) mas lembro perfeitamente que o galo dormia sobre a coxa do cachorro, deixando ali uma mancha de pelos arrancados, detalhe que ainda vejo muito bem.

Vó Tiana também vem em detalhes: a chama sempre acesa no copo de azeite; o fogão com brasas e a água do filtro de barro sempre fresquinha; as violetas florindo nos beirais das janelas, plantadas em latas de manteiga que iam apodrecendo e, assim, mostrando-se cheias de raízes.

Passei a dar valor a todo alimento depois de, adolescente, ler que Charles Lindbergh, primeiro aviador a cruzar o Atlântico, queria levar um sanduíche a menos na viagem de mais de trinta horas, para aliviar de todo peso seu pequeno avião.

Foi também por leves detalhes que Santos Dumont levantou vôo: o motor era fraquinho mas o 14-Bis era levinho. Sustento que o avião foi inventado pelos Irmãos Wright e também por Santos Dumont, eles com o motor possante e ele mostrando que tudo deve ser leve, tornando o bambu e a seda materiais pioneiros da leveza aeronáutica.

Decerto a gente lembra dos detalhes porque são expressivos, falam por toda uma situação, e podem ser até carismáticos. A mão de Napoleão enfiada na casaca, a lira de Nero, a pinta de Marilyn Monroe, o tapa-olho de Sammy Davis, a tanga de Tarzan e o fraque do Mandrake, o bigode de Hitler e o charuto de Churchill.

Há detalhes de todo tipo e tamanho, os detalhes emperrantes, os aliviantes, os irritantes e os maçantes e até os fúteis, como há detalhes importantes e, como os imprevistos podem virar imprevastos, há até detalhes cruciais conforme as circunstâncias.

Em Waterloo, Napoleão tinha tanta confiança que achou detalhe o campo encharcado de chuva, marchando para a batalha no próprio dia, extenuando as tropas, enquanto seu inimigo Wellington tinha chegado um dia antes, com tempo para postar defesas e descansar as tropas, e esses detalhaços decidiriam a batalha.

Por isso, sempre que alguém menospreza algo, dizendo ser detalhe, aí é que presto atenção. Pois até vivemos em detalhadura, ditadura de detalhes. No tempero da comida. No sorriso nas relações. No botão caído que nos deprecia. No gesto de impaciência, no olhar que se desvia, na palavra que desafina do discurso. Os detalhes são as partes mais expressivas das artes, e a expressão “o resto é detalhe” deveria ser “os detalhes e o resto”.

Claro que todos os detalhes, conforme a canção, “vão sumir na longa estrada”, mas, até lá, os detalhes balizam o caminho...

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.
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