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Quisera renascer num píncaro, com uma visão esplêndida da minha vida pretérita, para rever com lástima meus erros porém com ânimo de aprender, tirar de vez as dúvidas, das cotidianas às filosóficas, apaziguando o espírito, amigando com as lágrimas.

Quisera ser tão lúcido quando mágico, para me reescrever sem máculas, como se até o fúnebre fim fosse só um ato do espetáculo, para num átimo renascer com todos os músculos, a começar pelos músculos cardíacos, meus ossos íntegros, todo o equipamento neurológico do cérebro às menores partículas.

Louvarei então os mártires mas desconfiando dos que se dizem cândidos. E espero também ter aprendido que não brigar é a melhor tática, como nunca guerrear é o mais estratégico, sendo sempre a melhor ação serenar os ânimos.

Em síntese, estou até disposto a ser protótipo de alguma pesquisa antropológica, para análise psicológica do pós-morte, que palavra fúnebre!

Entretanto, enfim, eu aceitaria até morrer na véspera se pudesse voltar para contar como é ser póstumo.

Fenômeno na árvore genealógica, eu renasceria assim como se acende um fósforo, sem dor nem médico, com visão ótica e visão política, um ouvido apurado e outro ouvido ético, e uma boca de que não se diga que mal é o que sai do recôncavo da boca.

Pode parecer ilógico, mas espero renascer como novamente um ser único, pronto para o trânsito que é a vida, quisera que com o beneplácito de tanto sofrer quanto gozar, chorar quanto rir, errar mas consertar.

Se puder escolher, gostaria de partir num sábado, não só devido ao poema do Vinicius mas também porque dos dias da semana é o último, gosto das coisas levadas a seu término.

Seria porém rústico se, de minha parte, quiser renascer sem oferecer garantia explícita de que melhorarei. Pois bem: prometo desde já que então só o Bem contará com meus préstimos.

Afinal, seria um renascido único, não fosse o antecedente crístico, e talvez uma ponte na direção de uma vida não efêmera.

Espero renascido ver um povo menos patético e políticos com alma pública. Mas gostaria mesmo se a república também renascesse, com amor realmente patriótico do povo e sem delírios ideológicos dos líderes, sem esquerda trânsfuga nem direita histriônica, sem manobras cômicas de efeitos trágicos.

Será fantástico renascer mas, se for renascer nesta mesma república com as mesmas leis, não será só a mesma vida na prática? Entretanto, se me recusar a aceitar o que afinal pedi, não serei eu mesmo um trânsfuga? E já me cansa só de pensar no problema midiático, atender entrevistas problemáticas, os repórteres sempre a procurar escândalos nas entrelinhas, álibis nas confissões e conspirações nos conciliábulos.

E me vem, como num relâmpago, a já certeza de que, noutra vida, o futuro será sempre enigmático, ou não seria o futuro, como o passado não pode deixar de ser histórico. Mas, claro, isto é apenas uma brincadeira trêfega ou pândega, uma ilógica hipótese, e, para quem achar ridículo, espero me redimir numa próxima crônica.