Vamos a uma aula de somlogia, ciência dos sons do corpo.

O coração é o único órgão acústico, conjunto de músculos sempre batendo seu tambor, sempre em liquidação por estar sempre em ação a bombear um líquido, o sangue, e em liquidação também porque cada batida é uma a menos na vida.

Mas os pulmões também, quando querem, fazem seus sons, mesmo que sejam leves e breves como os suspiros.Em muitos romances os personagens estão sempre suspirando, porque na vida as pessoas estão sempre suspirando, a gente é que não presta atenção.

Assim, há quem leia mãos, e é possível e exato ler suspiros, que falam das mais variadas formas. Há suspiros de tédio, de cansaço, de admiração, de paixão, de irritação – este, já meio se confundindo com o bafejo de raiva. Leminski suspirava assim, um suspiro curto e rápido, meio bufando, o ar agitando os bigodões.

Há o suspiro da donzela apaixonada e há o suspiro fundo do lutador vitorioso. Há o suspiro aliviado de quem acaba de safar-se duma enrascada, ou o suspiro longo e profundo de quem vai iniciar um grande trabalho. O coração é monocórdico, apenas alterando a velocidade de suas batidas, e os pulmões são sinfônicos, combinando a respiração com a expressão facial e corporal.

Já arquejos são combinação de suspiro com gemido, em duas categorias: na juventude, arquejamos de esforço; depois, arquejamos de veieira. Mas o arquejo apenas é, para os humanos, como o rangido é para as máquinas, com a diferença de não podermos ser lubrificados.

Eu gosto de arquejar, arquejo mesmo cortando queijo, basta ser queijo pouco mais duro e pronto, arquejo. Um dia, arquejei até dando beijo, Dalva intimou:

- Beijo dói?! Se doer, não precisa me beijar mais!

Passemos então aos gemidos, os sons de maior variedade na somlogia. Nossa vida começa com gemidos da mãe e vai até os gemidos mudos, embutidos, diante de envelopes que chegam com contas a pagar. O gemido previsivo é também muito interessante, como quando batemos o carro e gememos, já imaginando a burocracia com o seguro, as despesas...

Mas o gemido de perda mais sonoro, não apenas em volume como também em significância, é quando o atacante perde o gol quase feito e o estádio todo geme, um multigemido.

Claro que há outros órgãos sonoros no corpo, desde os dentes que trituram ecoando no cérebro, até o estômago que ronca de fome ou, depois que a comida é processada, o som de escape de gazes pelo esfíncter, que deve ser escrito nobremente assim para evitar gracejos e vulgaridades.

Há até quem diga que casais só alcançam a plenitude conjugal quando não se vexam mais de produzir tais sons na convivência, enquanto outros dizem que a vida em casal perde elegância e graça, no melhor sentido da palavra, quando perde-se esse pejo.

E encerremos nossa aula com tarefa de casa. Fechar os olhos e respirar, respirar longa, gostosa e profundamente, como se fosse a primeira vez. Aí, no silêncio da mente quieta e aberta feito campina pronta para os ventos, pensar que devemos tudo ao ar, e que os sons só existem porque existe o silêncio, ancestralmente anterior e mudamente superior a qualquer logia.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina