Dizem que os olhos são as janelas da alma e o sorriso sua vitrine - e eu poderia saber do valor do sorriso já desde adolescente, quando várias vezes passou pelas mãos o livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, mas sempre nem abri, rejeitando já porque, na capa ou contracapa¸ numa foto o autor Dale Carnegie aparecia sorrindo mas com gravata borboleta.

O preconceito contra o que me parecia símbolo de elitismo, a gravata borboleta, teve o poder de me subtrair, dentre as centenas de livros lidos então, justamente o que mais me poderia servir para a vida. Só aos sessenta anos, quando conheci Dalva, fui levar o livro que desde 1935 volta e meia é best-selller. Então revi como num filme as tantas vezes em que, nas negociações da vida, me dei mal ou não tão bem como queria, por desconhecer algumas das dicas de Carnegie: “seja bom ouvinte e encoraje o outro a falar”, “elogie sempre que alguém merecer”, “interesse-se realmente pelo outro”. E o livro começa mostrando como todo contato humano pode resultar melhor começando com sorriso.

Agora é um primo de Dalva, José César Vidotti, quem me zapeia sobre olhar e sorriso: “Passo sempre por um semáforo, na Avenida Tiradentes, onde reparo numa vendedora de suco natural, que parece ser de boa qualidade. Mas o que sempre me chama atenção, e por isso virei freguês, são seu sorriso aberto e seu olhar alegre”.

Mas será que quem lida com gente o tempo todo não enjoa ou cansa de sorrir tanto? Perguntei isso a um porteiro de prédio e ele sorriu:

- Não cansa nem enjoa, não, porque senão eu ia enjoar de mim mesmo. Porque comecei a sorrir pra todos por ser treinado pra isso, mas gostei tanto que agora não consigo deixar de sorrir. Fiquei assim, se não sorrio pareço que não sou eu pra mim mesmo.

Assim o sorriso, além de abrir portas, corações e mentes, incorpora-se à pessoa mesmo quando ela está ausente, na forma de lembrança boa. Deve ter contribuído muito para transformar Getúlio Vargas em mito dos mais populares, apesar de ter sido ditador antes de ser presidente eleito.

Aliás, o sorriso não frequenta muito a boca de ditadores, como também não sai da boca dos políticos, como a dizer que quem domina pela força não precisa se relacionar civilmente, enquanto quem precisa se eleger tem de manter civilizada sorridência.

Difícil puxar da memória algum ditador sorridente, enquanto os ídolos democratas estão sempre sorrindo nas suas fotos icônicas¸ como Kennedy e Churchill. E difícil é achar foto em que Ghandi não esteja sorrindo. Na velhice, vivendo a tecer no seu tear, vestindo seu manto e calçando suas sandálias como as de qualquer pobre de seu país¸ o homem que nos ensinou a lutar sem armas levou três tiros de pertinho e caiu morto, talvez nem tendo tempo de sorrir, a não ser por dentro, pois seu sorriso era sua alma e vice-versa. E Mandela, quando saiu da prisão depois de 27 anos, não cerrou os punhos, não levantou o braço, não falou feroz; falou em paz, sorrindo.

Por isso, um amigo empresário diz que, quando contrata alguém, logo pergunta se sabe cuidar da janela e da vitrine, o resto será detalhe.