A vida é assim
PUBLICAÇÃO
sábado, 19 de dezembro de 2020
Domingos Pellegrini
Quando a perobinha aprende a linguagem muda das plantas, pergunta à perobona:
- Por que cresço tão devagar? Quanto tempo até ficar altona como você?
- Quando você tiver a minha altura – responde a perobona – não estarei mais aqui.
- Por que?!
- Porque... até para você crescer, precisarei sair daqui.
- Você vai pra onde?
- Vou morrer, como dizem os humanos. Findar. Secar em pé ou tombar.
- Tombar?
- Ser derrubada pelo vento.

A perobinha, sempre desconfiada já por viver cercada de tantas plantas, pensa que pensa e então:
- Será que entendi? Vou demorar muuuuito pra crescer e, aí, quando ficar altona como você, o vento poderá me derrubar? Que vento é tão forte assim?
- Parabéns – brinca a perobona – Vejo que você não só aceitou como até já conta com meu fim.
A perobinha engasga longamente como engasgam as perobas, a perobona continua:
- A vida é assim. Peroba cresce acima da floresta, mas por isso mesmo pega lá vento forte que aí embaixo você nem sente.
- Por que tem de existir vento?
- Até pra levar longe nossas sementes, mas peroba também cai por ser tão reta.
- Como assim?
- Não temos, como dizem, jogo de cintura. O vento empurra nossa copa e o tronco reto funciona como alavanca para arrancar as raízes, por isso tombamos na velhice.
A perobinha emudece, a perobona consola:
- Podia ser pior, podíamos ser perobas de campo.
- ?
- O vento é que me conta: em lugares onde tiraram a mata mas, sabe-se lá porque, deixaram perobas, elas caem mesmo jovens ainda, porque nosso tronco é enrugado.
- ?
-Tronco de peroba fosse liso, o vento não teria onde agarrar pra empurrar. Por isso peroba de campo não dura, mesmo que seja um perobal.
- Que triste.
- Mas veja o lado bom: até crescer tudo que pode, você estará cercada de outras árvores te protegendo e despejando folhas para nossa terra estar sempre úmida e gostosa. E aí embaixo, se você não tem horizontes como eu, eu porém não tenho insetos e passarinhos e bichos como você, uma vida muito mais divertida!
Nem quero crescer mais, resmungou a perobinha. Mas você vai crescer, disse a perobona, e eu vou tombar um dia, e até lá viveremos com a retitude das perobas, certo? Certo, respondeu a perobinha querendo se endireitar ainda mais, e a perobona sorriu o sorriso invisível das perobas.

