A sagacidade dos gatos
Lili mistura selvacidade com urbanidade pet, como quando sobe no meu computador e estende a pata pedindo carinho
PUBLICAÇÃO
sábado, 10 de agosto de 2024
Lili mistura selvacidade com urbanidade pet, como quando sobe no meu computador e estende a pata pedindo carinho
Domingos Pellegrini
Gato é o bicho que mais se humanizou, tanto que nem precisa de coleira ou cerca pra conviver com gente. Nossa gata Lili é também quem mais conhece a casa, pois espairece no alto do telhado, passeia pelo sótão e até se enfia na cisterna. Pernoita na garagem da casa vizinha, e tem dia em que aparece só pra comer de manhãzinha e noitinha.
Às vezes nem aparece, a barriga cheia de caça, caçadora de ratos a gambás. Às vezes traz pomba para comer nalgum canto da casa, onde depois achamos as penas. Só as penas, pois ela come tudo mais, das patas com suas garras à cabeça com seu bico, para nosso repetido espanto depois varrendo as penas.
Ela tem dois jeitos de caçar. Se a pomba passeia pelo gramado, ciscando distraída, Lili vai devagar pé ante pé, lombo baixo, esperando a pomba ficar de costas, aí avança em dois longos saltos e zapt, as patas agarram e os dentes cravam com ferocidade felina. E seu outro jeito de caçar é voando: vê passarinho em árvore baixa, vai correndo e salta alto, batendo as patas nalgum galho para já voar alcançando a presa noutro galho e daí voltando ao chão no mesmo impulso, tudo coisa de assim uns dois segundos.
Se a presa for rato, ela sadicamente se diverte até durante hora, ferindo e deixando escapar, puxando de volta, deixando escapar... Esse sadismo é coisa só dos gatos, essa espécie que, como os cachorros, não só se domesticou como nos adotou.
Como todas as raças caninas provém do lobo europeu, do grande são-bernardo ao cãozinho de colo, todos com basicamente o mesmo esqueleto, os gatos também vêm de uma única espécie de gato selvagem africano, gerando também uma espantosa variedade de raças e tipos.
Os cães são tão capazes que até viraram astros de cinema, como Lassie e Rintintim, e tem gosto de servir como cães de companhia, de caça, de trenó, de cego, de bombeiro, de polícia, e assim servindo o cão se fez parte da família humana. Já os gatos são parte das casas, ou, como Lili, das casas e seu derredor, como preferem os felinos.
Lili mistura essa selvacidade com urbanidade pet, como quando sobe no meu computador e estende a pata para mim pedindo carinho. Tem a pelagem rajada, já indicando descendência de gato selvagem, ao contrário de sua irmã Lua, de pelagem preta-branca e vida apenas doméstica, dormindo no sofá e nunca saindo de vista, pois como Lili gosta de aventura, Lua gosta de rotina. Uma tem olhar lânguido, outra tem olhar esperto.
A variedade animal, inclusive humana, é uma das tantas riquezas deste planeta sem igual em muitos anos-luz afora. E a mestiçagem, fonte natural de tanta variedade, foi adoidada pela nossa manipulação genética, gerando raças desde os gatões de doze quilos a gatinhos de apê que cabem na mão.
Tomara que, entre tantas mudanças, não se perca o que há de mais próprio nos gatos, serem caseiros parecendo visitas. E conviver com duas gatas tão semelhantes e tão diferentes, como Lili e Lua, faz pensar nos humanos, quem dera se tornem mais conviventes quanto mais diferentes. Esta é a sagacidade dos gatos.