“Lutei três anos para criar o Numape e consegui como projeto de extensão da UEL e Seti",  explica a professora Claudete Canezin
“Lutei três anos para criar o Numape e consegui como projeto de extensão da UEL e Seti", explica a professora Claudete Canezin | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Muitas mulheres sofrem de relacionamentos abusivos e se veem em dificuldades para se livrar deles. Infelizmente, o Brasil é o país com a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Para ajudar no combater a esse problema, o Paraná possui os Numape (Núcleo Maria da Penha), ligados às universidades estaduais. O primeiro núcleo foi criado em 2013, em Londrina. Nesta quarta-feira (7), às 10h, haverá um ato público em frente ao Teatro Ouro Verde (área central), em celebração pelo aniversário da promulgação da lei Maria da Penha (7 de agosto de 2006).

Os núcleos estão distribuídos nas cidades de Londrina, Maringá, Jacarezinho, Ponta Grossa, Paranavaí, Guarapuava, Irati, Francisco Beltrão, Marechal Cândido Rondon e Toledo. Desde 2018 (ano em que os dez Numape já estavam em funcionamento), os núcleos somaram 7.298 atendimentos na área pedagógica, 3.468 atendimentos jurídicos e 2.712 psicológicos, além de aproximadamente duas mil audiências. Também foram promovidas cerca de 1, 6 mil ações socioeducativas, 1,3 mil atendimentos na área social, 422 ações ajuizadas e 161 medidas cautelares.

As unidades conseguiram atingir a marca de 21 mil atendimentos em um ano no dia 22 de julho,, data que coincidiu com o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, instituído pela Lei 19.873/19. A Seti (Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), por meio do Programa Universidade Sem Fronteiras, investiu R$ 1,2 milhão na expansão e manutenção dos 10 núcleos presentes nas universidades.

LONDRINA

O primeiro núcleo ligado a uma universidade foi criado em 2013, na UEL (Universidade Estadual de Londrina), pela professora Claudete Canezin. O projeto tinha o objetivo de atender a alta demanda de mulheres vítimas de violência. Canezim conta que o município já possuía o CAM (Centro de Atendimento à Mulher), que presta orientação jurídica, mas não entra com ações de medidas protetivas.

“Não é o objetivo e nem tem estrutura para isso. Eu era diretora do EAJ (Escritório de Aplicações Jurídicas da UEL) e via que as mulheres chegavam lá na segunda-feira, quando não era dia de triagem e nem de recepção de casos novos. Foi aí que senti a importância de ter atendimento de segunda a sexta-feira e de janeiro a janeiro, e não somente durante o período letivo”, relembra a professora.

“Lutei três anos para criar o Numape e consegui como projeto de extensão da UEL e Seti", explica Canezin. A repercussão do trabalho foi tão grande que em 2017 a Seti perguntou se ela autorizaria usar o projeto em todas as universidades. “Disse que não tinha problema. O importante é que as mulheres sejam ajudadas”, destaca.

Canezin destaca que muitas mulheres sofriam caladas e não sabiam onde buscar respaldo e atendimento. “Hoje sabem que têm o Numape e que não precisam aguentar a agressão”, aponta. Ela se diz triste em dizer o volume de violência registrado contra a mulher. “Por outro lado, o resultado do atendimento e do trabalho proporcionado às mulheres pelo Numape é um sucesso. Fico feliz de ter criado o Numape. O relacionamento abusivo é um mal que precisa ser resolvido. O marido precisa ter limites e a mulher não pode ser tratada como objeto de sua propriedade”, destaca.

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| Foto: Folha Arte

'SOFRI TORTURA PSICOLÓGICA'

Uma das mulheres atendidas pelo Numape da UEL, cujo nome, idade e profissão foram preservados, relata que chegou ao núcleo por meio do CAM (Centro de Atendimento à Mulher). “Eu passei por uma situação de agressão em um relacionamento de dez anos. Eu tinha lido em um posto de saúde um panfleto do CAM e anotei o telefone. Depois de passar pelo CAM, foram eles que me indicaram o Numape”, relata.

A vítima disse que foi bastante difícil tomar essa decisão. “Para nós, mulheres, por mais que não esteja bom, tem vergonha de procurar ajuda, pois já estive em lugares, órgãos públicos, em que me senti desrespeitada quando procurei por socorro”, destaca. “Quando você sofre uma violência, seja ela física ou psicológica, você procura e precisa de ajuda, mas em alguns órgãos públicos não há pessoas qualificadas para atender você. Não é o caso do Numape ou do CAM, mas da Polícia Civil, por exemplo”, destaca.

“Meu ex-companheiro tinha muito ciúmes e sofria muita tortura psicológica por isso. Quando cheguei no CAM eu me sentia menor que um sapato. O psicólogo fez um acompanhamento lá e minha filha foi para o Creas. A partir disso fui conhecendo o Numape”, relembra. “Desde que me separei, não conversei mais com ele. Só o vi na audiência de conciliação, que acabou não tendo acordo. Não tenho condições de contratar um advogado com recursos próprios, mas se não existisse o Numape teria que achar um jeito”, revela.

EM CONJUNTO

No programa, as universidades atuam em conjunto com as demais instituições e órgãos governamentais que integram e rede de proteção à mulher no Estado, prestando atendimento jurídico, psicológico, psicopedagógico e social. Segundo informações da Seti, são realizados trabalhos em rede diretamente ligados às delegacias da Mulher, às secretarias municipais da Mulher, aos Centros de Referência de Assistência Social e Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública mostram que no primeiro semestre deste ano foram registrados 38 feminicídios. Desde 2015 essa modalidade de crime foi aprovada na legislação brasileira.