Ana Lobo: "Na universidade a gente discute muito para conscientizar também os professores do próprio preconceito que às vezes eles não sabem que têm"
Ana Lobo: "Na universidade a gente discute muito para conscientizar também os professores do próprio preconceito que às vezes eles não sabem que têm" | Foto: Marcos Zanutto


Das disputas desiguais com os meninos ao exemplo de pesquisadora em casa, a londrinense Ana de Oliveira Lobo, 25, conta que foi desestimulada de uma parte e encorajada a ser cientista de outra. Seguindo o coração e o talento, chegou a bacharel em astronomia e ciências terrestres na Columbia University e ao doutorado no Caltech (California Institute of Technology), nos EUA. Atualmente, a jovem participa de uma ONG que promove oportunidades para mulheres nas áreas de ciência, engenharia, tecnologia e matemática, o WLF Program. Em parceria com o IFPR (Instituto Federal do Paraná), trouxe o curso gratuito de cálculo para meninas do ensino médio de Londrina.

Aos 18 anos, Lobo chegou a ir para o curso de direito por conta do desânimo com as faculdades de física no Brasil. Ainda assim, havia uma pessoa que insistia. "Minha mãe sempre foi pesquisadora, eu a vi fazendo doutorado. Sabendo que eu tinha talento para matemática e física ela achava bacana seguir. Não é qualquer mãe que falaria para uma jovem largar o direito para estudar física", brinca.

Mas as universidades de interesse ficavam em outro país e para isso precisava, além do conhecimento, da ajuda de custo que uma jovem criada apenas pela mãe não tinha. "Na época, o pessoal falava muito que não tinha jeito, que era impossível, mas eu estava tentando as bolsas para aluno internacional, era um período que isso estava começando lá", recorda. E conseguiu. Hoje, já está finalizando o doutorado com a pesquisa da dinâmica das atmosferas planetárias.

Leia mais: Curso estimula mulheres na ciência

Durante o período, percebeu que as diferenças de gênero não aconteciam só no Brasil, como já experimentado na escola. "Minhas notas em física eram as mais altas, mas quando citavam o gênio da física da classe, não era eu. Não era o pessoal que desencorajava, mas havia uma certa atenção para os meninos que queriam física que nunca me deram. No colégio, o pessoal que gostava que passasse em medicina e direito teria ficado até decepcionado se eu falasse que ia prestar física", ri.

Já madura, foi percebendo ações naturalizadas que não havia notado antes. "Os professores descreviam os meninos que iam bem como ‘talentosos’ e as meninas como ‘esforçadas’. Os meninos que iam mal, era porque não tentavam ou não ligavam para a escola, mas as meninas porque eram burras. São casos discretos do preconceito", afirma.

A situação não mudou na faculdade. O curso de computação que participa quase não tem mulheres, o que acredita criar um ambiente de despertencimento. "As pessoas te olham estranho, as colegas dizem que não se sentem muito confortáveis indo de saia, então elas se vestem até diferente para poderem se enturmar", declara.

A observação sobre essas diferenças de gênero fez com que se mobilizasse a criar algo que mudasse a realidade da educação de alguma forma. O WLF Program só tem um ano, mas possui iniciativa ousada em promover acessibilidade às mulheres do mundo todo nas áreas em que ainda são minoria. "Na universidade a gente discute muito, faz muito treinamento para conscientizar também os professores do próprio preconceito que às vezes eles não sabem que têm. Enquanto a gente não pensa nisso e não se discute isso, sempre vai ser mais difícil", afirma.

Com a vinda para Londrina, coisa que só faz em média a cada 6 meses, promoveu o curso gratuito de cálculo para meninas durante 10 dias. "É bom para mostrar as possibilidades. Eu não conhecia essas áreas que hoje eu pesquiso quando estava aqui, eu jamais imaginaria uma ciência planetária", brinca.

Leia mais: Unesco aponta falta de estímulo

Lobo atua no departamento que trabalha com missões que vão para Marte, Júpiter, Saturno e com profissionais que pesquisam modelagem. "Eu trabalho em colaboração com o departamento de ciências ambientais, que faz estudos de atmosferas. Por exemplo, estudamos Vênus e Marte comparados à Terra a partir da física e atmosferas planetárias", conta com o orgulho de quem faz exatamente o que gosta.

Com o próprio exemplo e a iniciativa da ONG, acredita estar dando um empurrãozinho às meninas, que como ela, quase desistem no meio do caminho. "Algumas situações podem desencorajar, se eu não tivesse outro estímulo, não teria feito. Não precisa que todo mundo ajude, mas precisa que alguém ajude", acredita. É o que está tentando fazer.