Incêndio em aterro sanitário de Cambé já passa de dez dias
Chamas persistentes em massa verde levantam debate sobre gestão de resíduos sólidos e mobilizam autoridades
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 19 de junho de 2025
Chamas persistentes em massa verde levantam debate sobre gestão de resíduos sólidos e mobilizam autoridades
Patricia Maria Alves

Um incêndio se alastra pelo aterro sanitário de Cambé há mais de dez dias e sua fumaça densa cobre o quilômetro quatro da PR-536, conhecida como Estrada da Prata. O fogo foi detectado por volta das 07h30 no dia 7 de junho por funcionários no local.
O Corpo de Bombeiros foi acionado e conseguiu chegar ao local três horas depois, segundo registro da corporação. Às 10h45, unidos às equipes municipais, incluindo a Defesa Civil e as secretarias de Agricultura, Meio Ambiente e Serviços Públicos, mobilizaram-se com uso de caminhões-pipa, escavadeiras, trator esteira e pá carregadeira, mas não conseguiram controlar a situação. Mesmo uma forte chuva de 50mm que recaiu sobre a região naquele fim de semana não foi suficiente para extinguir as chamas.
Longe das células de decomposição de lixo doméstico, as chamas queimam a massa de resíduos verdes do aterro – em sua maioria galhos de árvores, resíduos de podas, jardinagem e outras atividades de manejo de áreas verdes urbanas e podem ganhar características de incêndio florestal se atingirem os campos da safrinha de milho ao redor já próximos de sua colheita.
A persistência das chamas desafia as autoridades locais e traz à tona preocupações sobre a gestão de resíduos sólidos em Cambé há pelo menos 16 anos. O MP-PR (Ministério Público do Estado do Paraná) move, desde 2022, uma ACP (Ação Civil Pública) exigindo a reformulação da política municipal de resíduos sólidos no município.

Um incêndio que não se apaga
Moradores e trabalhadores que atuam ou circularam pela área do aterro relataram à reportagem que esta não é a primeira vez que incêndios atingem o local. Segundo testemunhos, outros episódios similares já ocorreram nos últimos anos, levando até dois meses para serem completamente mitigados. Em muitos casos, afirmam, a única forma de extinção completa foi permitir a queima total da massa verde acumulada, dada a dificuldade de acesso às camadas mais profundas do material em combustão.
A explicação para a dificuldade está na natureza dos resíduos verdes: materiais como folhas, galhos e serragem possuem grande capacidade de combustão interna, o que dificulta a ação da água e requer métodos específicos de contenção. “A profundidade do foco e a liberação contínua de calor dificultam a eficácia da água”, explica o prefeito Conrado Scheller (PSD).
Scheller, que completa, neste mês de junho, o primeiro semestre do seu segundo mandato em Cambé, explica que herdou essa questão de gestões anteriores e busca junto ao Ministério Público do Paraná uma solução rápida para o incêndio e para o aterro. "Há uma plantação vizinha, que em breve estará seca para a colheita, e a propagação do fogo seria muito prejudicial. Estamos controlando a situação, mas é difícil prever quando o incêndio será completamente extinto”.

Diante do ocorrido, a prefeitura instaurou um processo administrativo para investigar se o incêndio atual foi provocado por ação humana dolosa ou por acidente. Enquanto isso, também, segue-se com o monitoramento diário e implementação de medidas paliativas como aceiros — barreiras físicas que impedem a propagação do fogo para áreas vizinhas, especialmente propriedades agrícolas próximas da colheita. "Fomos nós que comunicamos o Ministério Público e o IAT sobre a ocorrência. Este é um momento de unir forças. Buscamos a colaboração de quem tem experiência ou já enfrentou situações semelhantes, pois não pretendemos resolver o problema apenas com nossos técnicos ou escondê-lo, dado que ocultar problemas pode ter consequências graves", afirma o prefeito.
Promotor de Justiça do Paraná, Renato Sant'Anna, do Núcleo de Londrina do Gaema (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo), foi notificado pelo próprio prefeito sobre a situação do incêndio. Sant'Anna coordena um grupo regional e acompanha de perto a atuação do MP-PR de Cambé. Para o promotor, a transparência e o respeito na questão estão sendo fundamental para a encontrar soluções consensuais entre o município e o MP-PR.
"Com relação ao meio ambiente, não podemos ter uma postura impositiva. A relação que estamos tendo é respeitosa e amistosa. O município quer resolver e nós também. Estamos todos juntos pelo bem comum", explica Sant'Anna.
Scheller endossa a união: “Toda sugestão proveniente do Ministério Público ou do IAT, como por exemplo, a necessidade de criar mais aceiros ou dividir células no aterro, ou qualquer outra, será considerada”.
No intuito de “olhar mais de perto a questão”, o promotor de Justiça Thadeu Augimeri de Goes Lima, da 2ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de Cambé, instaurou na segunda-feira (16) uma notícia de fato e solicitou ao IAT a realização de vistoria no aterro sanitário do município de Cambé.

A Sama (Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente) de Cambé, também enviará “relatórios informativos diários acerca das atividades de controle, contenção e tentativa de extinção do incêndio ocorrido no aterro sanitário local, até que sobrevenha a efetiva extinção dele”, disse Lima. O prazo previsto pelo MP-PR é de 30 dias.
Histórico de irregularidades e Ação Civil Pública
O incêndio, embora grave, é apenas um sintoma visível de um problema estrutural mais amplo e antigo. Desde 2005, o Ministério Público acompanha o caso por meio de inquérito civil. Em 2013, o aterro recebeu uma licença de operação ambiental válida até maio de 2016, mas desde então, essa licença não foi renovada, devido a uma série de irregularidades detectadas pelo antigo IAP (Instituto Ambiental do Paraná), atualmente IAT (Instituto Água e Terra).
Essas irregularidades são descritas em detalhes na ACP ajuizada em 2022 pelo promotor de Justiça Thadeu Augimeri de Goes Lima. A ação argumenta que a cidade de Cambé não possui uma política pública eficaz de gestão de resíduos sólidos e busca obrigar judicialmente o município a se adequar às normas previstas na PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e na Lei Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos (PMRSU). O promotor Thadeu Lima acredita que o incêndio pode funcionar como um marco para acelerar a adoção das medidas requeridas. “Esperamos que esse triste episódio sensibilize o município, levando-o a adotar imediatamente as obrigações impostas pela ACP, sem esperar uma decisão final”, afirmou o promotor.

O prefeito de Cambé garante, no entanto, que muito do que foi proposto pelo MP-PR já está em execução, mesmo antes do incidente. "Estávamos trabalhando para otimizar o aterro, incluindo a realização de transbordo e a implementação de medidas para melhorar a coleta seletiva, visando agregar mais valor às cooperativas de reciclagem e, assim, diminuir a carga diária de resíduos recebida no aterro".
Com uma população com cerca de 111 mil habitantes em 2024, segundo dados mais recentes do IBGE, estima-se que Cambé tenha uma produção diária de resíduos sólidos urbanos (RSU) de aproximadamente 90 toneladas. O custo da destinação final desses resíduos ultrapassaria R$ 8 milhões anuais. "Nosso objetivo é reduzir o volume do aterro, e para isso já impedimos a entrada de resíduos da construção civil. A ideia é primeiro combater o incêndio, depois reduzir o aterro para assim planejar seu futuro."
VOCÊ PODE GOSTAR DE LER:
Retratos do abandono: espaços públicos viram mocós em Londrina
Moradores reclamam do acúmulo de lixo e da presença de usuários de drogas em imóveis que pertencem ao município de Londrina
***
Londrina se destaca só em 8 dos 57 itens de índice de bem-estar
IPS Brasil colocou o município na 222ª posição em ranking nacional, acendendo alerta para critérios como violência contra mulher
VOCÊ PODE GOSTAR DE OUVIR:

