Calouras de Medicina de Tamarana querem inspirar conterrâneos
Dupla da rede pública destaca papel de pais e professores para conquistar vagas na UEL e UFPR: “Que a gente não seja exceção”
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domingo, 14 de maio de 2023
Dupla da rede pública destaca papel de pais e professores para conquistar vagas na UEL e UFPR: “Que a gente não seja exceção”
Lucas Marcondes
Ainda convivendo com dias turbulentos devido ao clima de apreensão por conta dos ataques em escolas registrados entre o fim de março e o início de abril, o Cemca (Colégio Estadual Professora Maria Cintra de Alcântara), em Tamarana, na Região Metropolitana de Londrina, encontra na lista de aprovados do curso mais concorrido do vestibular o respaldo necessário para sacudir a poeira e espalhar motivação entre a comunidade escolar.
A boa notícia vem de três alunas que deixaram a instituição há pouco tempo. Bruna Santos de Campos e Paola Giordana Gregório conquistaram vaga em Medicina no vestibular 2023 da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Além delas, Ana Júlia Gomes obteve uma cadeira na mesma graduação, mas fará as malas para Toledo (Oeste), onde vai estudar no campus da UFPR (Universidade Federal do Paraná). A FOLHA conversou com Gomes e Gregório no último sábado (13).
Entre A Ceasa e os livros
Quando deu o pontapé nos estudos, a agora caloura de 19 anos – classificada na mais recente chamada da federal –, chegou a conciliar a jornada com idas à unidade de Londrina da Ceasa (Centrais de Abastecimento do Paraná). “Eu ficava com as vendas e meu pai carregava as verduras”, contou ela, que mora com a família no Bairros dos Moreira, área rural de Tamarana.
Segunda a futura médica, um câncer enfrentado pela hoje falecida avó materna Maria José Brasilino Gomes trouxe a rotina hospitalar para dentro da família – e, com isso, o encanto pela profissão de quem cuidava da progenitora. “Convivi bastante com ela no HU [Hospital Universitário, de Londrina] e percebi que aquilo era o que eu queria para a vida. Eu adorava aquele universo.”
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Pais e educadores presentes
As recém-aprovadas tiveram em conteúdos virtuais como aulas e apostilas para vestibulandos o acréscimo necessário para perseguir a meta da faculdade. Elas, no entanto, fizeram questão de salientar o papel desempenhado pelos educadores das escolas que frequentaram, em especial por professores de biologia.
“Eu odiava biologia, e ele me fez amar. Ter professores que te mostram que é possível faz muita diferença”, contou Gomes. “Eu soube aproveitar bem a escola pública. Fui medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática [das Escolas Públicas – Obmep], isso me incentivou bastante”, relatou Gregório, 20, que ainda estudou em unidades públicas de ensino de Paiquerê e Lerroville, distritos de Londrina.
Elas também pontuaram como fundamental o apoio dado pelos pais. “Desde pequena, meus pais davam gibis, livros para eu ler. Acho que isso é um ‘diamantinho’ para conseguir alguma coisa excepcional na escola pública”, disse a futura universitária da UEL.
“Eles sempre falaram: ‘Olha, educação é um meio de transformação’. Se não fosse a educação, provavelmente eu estaria fadada a trabalhar na roça com meus pais. Não que isso seja ruim. Eu adoro trabalhar na roça, gosto da Ceasa, mas não é algo que me completaria como a Medicina me completa”, acrescentou a colega.
De volta no futuro
Utilizar a profissão para retribuir Tamarana, cidade onde cresceram, está entre os planos que começam a ser traçados pela dupla. “Sou apaixonada por saúde pública. Não sei como vai ser no futuro, mas eu ficaria muito feliz de trabalhar aqui”, projetou Paola Gregório.
Para Gomes, a aprovação serve de motivação a outros estudantes para que alcancem não somente seus objetivos individuais. “[O ensino] é gratuito, mas a gente paga de alguma forma, com os nossos impostos. E a gente tem que aprender a valorizar isso, querer que seja melhor ainda, buscar nossos professores, os diretores.”
“QUE A GENTE NÃO SEJA EXCEÇÃO”
Agora, com uma importante meta pessoal alcançada, as estudantes Ana Júlia Gomes e Paola Giordana Gregório torcem para que não sejam vistas no município como “pontos fora da curva”, já que o contexto local segue repleto de desafios na educação. “Que a gente não seja vista como ‘bichinho esquisito’, exceção. A gente não sabia muita coisa e teve que aprender muita coisa. É partir desse ponto: ‘Eu consigo, talvez demore, mas consigo se me planejar e persistir’”
Na avaliação do vice-diretor do Cemca (Colégio Estadual Professora Maria Cintra de Alcântara), Ernesto Volpato, as aprovações do trio e também de outros estudantes da unidade demonstram que é possível ampliar o número de ingressantes do colégio no ensino superior público.
Para isso, conforme ele, é necessário estimular virtudes do alunado, trabalhado aspectos como a autoconfiança. “A gente fica muito contente, isso direciona que a gente está no caminho certo. A gente tem uma escola estruturada, com ótimos professores, compromissados com a escola.”
Pensando em dar um ‘algo a mais’ para os colegas que continuam na instituição, Ana Júlia Gomes mantém uma página no Instagram (@materiaisforstudents) para dividir conteúdos voltados ao vestibular. Outra dica de ouro é manter corpo e mente sãos. “Se eu tivesse cuidado melhor da minha saúde mental ano retrasado, eu tinha passado”, exemplificou Gregório.