A importunação sexual tem sido um assunto recorrente no Paraná nas últimas semanas, desde que uma ciclista em Palmas (Sul) foi derrubada a ser tocada por um passageiro de um carro que passou do lado dela. Depois, outros episódios foram divulgados, como em Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina), Cascavel (Oeste), Maringá (Noroeste) e em Londrina. O noticiário estadual ficou repleto de denúncias relacionadas ao crime, que é tipificado desde 2018 como tal pela Lei nº 13.718/18.

Imagem ilustrativa da imagem A denúncia como arma contra a importunação sexual
| Foto: iStock

A importunação sexual é caracterizada pela realização de ato libidinoso na presença de alguém de forma não consensual, com o objetivo de “satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Entre os exemplos estão passar a mão nas partes íntimas, agarrar, beijar a força, masturbação pública, entre outros.

NA RUA E NO ÔNIBUS

A delegada Carla Gomes de Melo, da Delegacia da Mulher de Londrina, afirma que a maioria dos casos registrados na unidade é por tocar as partes íntimas da mulher que está andando em via pública. Mas cita que casos são recorrentes também dentro do ônibus, quando a pessoa fica encostando na vítima. "Aconteceu recentemente em um shopping center, em um homem esbarrava nas mulheres, com o propósito de dirigir a mão nos órgãos genitais delas", exemplificou.

Em um ponto de ônibus no centro de Londrina, Natani Garcez Brócoli, 27, lembrou de uma situação ocorrida dentro do coletivo, tempos atrás. "Um rapaz sentou ao meu lado e ficou encostando em mim. Eu fiquei muito incomodada, mudei de lugar e depois daquele dia sempre procuro pelos assentos individuais. É algo tão ruim que causa um certo trauma", conta.

A delegada afirma que os casos de importunação sexual sempre existiram, no entanto não tinha a tipificação desse crime em específico. “A gente acabava enquadrando em delitos de pena menor. Isso mudou a partir da criação da lei.” De acordo com a lei 13.718/18, importunação sexual é crime e impede o arbitramento de fiança em sede policial. A pena pode variar entre um e cinco anos de prisão.

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IDENTIFICAÇÃO

Questionada se é possível identificar os importunadores, ela disse que na maioria dos casos a investigação consegue isso. “Em um caso recente, conseguimos identificar por conta da placa do carro, por meio das imagens das câmeras de monitoramento. Lógico que há casos que são bem complicados e demandam mais tempo, mas na maioria das vezes a gente consegue levantar o autor”, apontou.

No ano passado, um homem foi preso por importunação sexual em Londrina depois de praticar o crime contra quatro vítimas - uma delas no pátio de sua casa, outra em um colégio, e duas em um ponto de ônibus. Ele tinha passagens pela polícia pelo crime de importunação.

AMIGO DO PAI

À FOLHA, uma adolescente de 17 anos revelou que nunca teve coragem de contar ao pai que um amigo dele aproveitou de uma situação para passar a mão no corpo dela. "Eu era bem mais nova e nós fomos no supermercado. Meu pai não prestou atenção que o amigo dele, sentado ao meu lado, estava passando a mão em mim. Eu não tive coragem de fazer nada, até porque eu fiquei com medo da reação do meu pai, que já tinha bebido além da conta. Eu lembro que, no dia, fiquei triste por ser mulher", relembra.

ONDE DENUNCIAR

Caso você tenha sido vítima de assédio ou importunação sexual, ligue para a Delegacia da Mulher em Londrina - (43) 3322-1633. O mesmo número recebe denúncias por WhatsApp. Há também os números 180 e 181, que são outros canais de denúncia. A central 153, da Guarda Municipal de Londrina, que funciona 24 horas por dia, também recebe essas denúncias.

SOMA DE DENÚNCIAS AJUDA

O delegado Vitor Dutra de Oliveira, da Polícia Civil de Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina), prendeu recentemente uma pessoa por apalpar mulheres ou levantar suas saias. O homem de 22 anos é suspeito de ter feito pelo menos 11 vítimas, das quais três reconheceram o importunador na delegacia. Ele ficou detido uma semana, mas foi solto e passou a ser monitorado com tornozeleira eletrônica. A decisão judicial exige que o assediador não pode sair de casa nos fins de semana, feriados e no período noturno.

O delegado observou que , desde que o crime passou a ser tipificado, a pena aumentou. “Passou a ter de 1 a 5 anos. Antigamente se enquadrava em um crime mais brando, que era o crime de importunação ofensiva. Essa mudança foi importante para que a gente pudesse dar um enquadramento jurídico mais sólido e conseguir realizar as prisões em situações como essa”, afirmou.

Ele ressaltou que por vergonha ou por constrangimento de ter de ir à delegacia, cerca de 30% a 40% das vítimas acabam não registrando o boletim de ocorrência. “Não precisa ter prova. As provas serão colhidas pela polícia a partir da denúncia", afirma. Sobre a questão da palavra de um contra a palavra de outro, ele reforça que tudo depende da investigação. “Quando a denúncia se soma, por exemplo, a de outras vítimas que narram com consonância, com detalhes e com segurança e sem contradições, todos os depoimentos são levados em consideração para análise e para o convencimento de que houve a prática do crime.”

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'NÃO PODE SER DESCULPA'

Segundo o médico e psicólogo Roberto Debski, o autor deste tipo de crime de importunação pode ter transtornos mentais, cometer por questões culturais machistas enraizadas na sua formação ou ambientais, entre outras razões. “Isso tem que ser combatido. Se a pessoa tem um problema, tem que ser tratada, mas isso não pode ser uma desculpa para agir desta forma, que vá contra o respeito às pessoas”, observa. “A gente não pode ficar à mercê de pessoas que se escondem ou se colocam atrás de justificativas, sejam quais forem, culturais ou sociais ou médicas. Uma pessoa tem que responder e ter responsabilidade por aquilo que faz."

Ele ressaltou que é importante as pessoas saberem que isso é algo incompatível com o respeito e à dignidade e deve ser combatido. “As pessoas não devem aceitar esse tipo de situação e denunciar para impedir que isso aconteça por todos os meios possíveis.” Isso vale para parentes e amigos desses importunadores. “Em todos os lugares há pessoas que acham que têm direito sobre as outras. A denúncia é uma forma de colocar isso legalmente e se proteger."

Questionado sobre como agir no caso de reação violenta do importunador, quando a vítima se queixa de ter sido tocada indevidamente, por exemplo, o psicólogo aconselha a não reagir agressivamente. “Isso pode levar a uma espiral de violência trágica. Se houver uma situação em que há um risco de abuso físico e de agressividade, a pessoa deve procurar ajuda e se retirar dessa situação o mais rápido possível.”

Se o episódio gerar trauma na vítima, o psicólogo aconselha a busca de ajuda profissional. “O episódio pode gerar algo que a vítima consegue levar bem, mas em outra pessoa aquilo pode afetar a vida de uma maneira bem complexa, com quadro de depressão ou ansiedade e de fobias sociais. Ela pode criar medo e preocupação de sair na rua por achar que vai passar novamente por situações como essa, como ocorre no transtorno do pânico.”

DEMANDA DA SOCIEDADE

O advogado Rafael Garcia Campos, conselheiro da OAB/PR, subseção Londrina, ressaltou que a mudança de tipificação do crime ocorreu em resposta a uma demanda da sociedade, depois que um homem foi preso em flagrante após ter ejaculado em uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo, em 2017. Menos de 24 horas depois, foi liberado após o juiz responsável concluir que o ato não seria estupro, mas sim uma contravenção penal. Quando foi preso, ele acumulava 17 acusações de crimes sexuais em sua ficha na polícia. “Isso veio acompanhado por uma maior repercussão de alguns outros fatos que ocorreram em outras regiões do Brasil e o Congresso se movimentou para endurecer a legislação”, apontou.

“Antes dessa lei, basicamente era exigido que houvesse violência ou grave ameaça para que fosse tipificado como estupro e não o ato de passar a mão isoladamente, por exemplo. Quando se tratava de pessoas maiores, não vulnerável, o ato era considerado uma contravenção penal e muitas vezes a pessoa nem respondia o processo. Dependendo das condições do agente, o processo se encerrava no início. Hoje a gente vê uma movimentação maior com esse tipo de processo, porque não há mais essa hipótese de acordo e não há fiança”, apontou.

SECRETARIA DA MULHER DE LONDRINA

A secretária municipal de Políticas para as Mulheres de Londrina, a advogada Liange Hiroe Doy Fernandes, ressaltou que a pasta tem dado maior visibilidade para a lei, com o objetivo de fazer as mulheres procurarem seus direitos e fazer a denúncia. “Todas as vezes que nós realizamos palestras sobre violência doméstica e familiar contra a mulher nós também falamos da importunação sexual. Por mais que tenha uma diferença entre as duas, de fato são violências contra a mulher e que precisam ser muito conversadas para que essa mulher tenha coragem de denunciar.”

“O importante é que ela faça essa denúncia. Ela deve procurar a Delegacia da Mulher ou a delegacia de plantão. Se essa importunação ocorrer dentro do transporte coletivo, ela deve avisar o motorista para quando chegar no terminal informar a segurança do espaço para que seja providenciado o atendimento adequado, que é chamar a Polícia Militar”, orientou.

Fernandes ressaltou que o município de Londrina tem uma rede municipal de enfrentamento à violência doméstica e familiar e sexual contra a mulher formada tanto por órgãos da administração pública indireta e direta, como também da sociedade civil, pelo Ministério Público e o Judiciário.”

DADOS

A reportagem procurou a SESP-PR (Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná) e a Guarda Municipal para obter dados relacionados à importunação sexual no Estado e no Município, mas não obteve resposta.

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