Por má ou boa-fé, vejo que alguns apreciam se manifestar em relação a líderes religiosos como “sacerdotes”. Entendo que a priori no senso comum, este termo remeta em última análise essa figura, para o altar e para os estritos serviços religiosos de culto. De fato, foi assim ao longo de séculos e a própria palavra “reverendo” no campo evangélico, para aí conduziria a reflexão. “Digno de respeito e honra”, exatamente pelo ofício desempenhado junto “às coisas de Deus”.

Ora, acontece que em nenhum versículo dos Evangelhos, Jesus é chamado de sacerdote ou reverendo. O título de Sumo Sacerdote é apenas um de muitos aplicados a Jesus: Messias, Salvador, Filho de Deus, Filho do Homem, amigo dos pecadores, etc. Cada um aborda um aspeto particular de quem Ele é e o que isso significa para nós. No livro de Hebreus, Jesus é chamado de Sumo Sacerdote (Hebreus 2:17, 4:14). Trata-se de um contexto de intermediação qualificada, em paralelo com o mesmo ofício do Antigo Testamento. Não temos elementos para isso, mas com uma boa exegese, diríamos que não lhe agradaria muito esse termo em sua vida pública na Palestina, porquanto os “sacerdotes” judaicos eram severamente por Ele criticados e estavam como protagonistas na sua condenação!

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Ao longo da história a palavra presbítero foi traduzida por sacerdote, embora a primeira seja mais adequada. Já a palavra “cura” seria apropriada para quem tem um ofício pastoral. O termo sacerdote, corresponde diretamente ao múnus adquirido na ordenação, em que o homem se torna agente "in persona Christi", quer dizer, age em nome e no lugar de Cristo.

No entanto, se historicamente por motivos de uma clericalização total da própria religião, em que a figura dos padres e bispos (e reverendos) assumia uma evidencia total e a figura dos líderes religiosos se sacralizou e se tornou reducionista, no início não era assim.

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Ao usar a palavra pela primeira vez em Nazaré (Lc 4,14-22) e dar o ponta pé de saída do seu Ministério, Jesus deixa claro qual será a sua performance como “homem de Deus”, ou melhor, como Filho de Deus encarnado: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor”!

Durante três anos, foi isso que fez. E quando instituiu a Santa Ceia, o evangelho de João a traduz no episódio do Lava pés. “Fazei isto em minha memória”, vai muito além de celebrar diariamente a Santa Missa!

A figura do líder religioso não está, portanto, circunscrita ao culto. Não existe em função da sacristia. Ao se preocupar com as questões sociais cuidando de creches, asilos, hospitais etc. ele o faz em nome de Cristo. Mas, ao denunciar o que é incompatível com uma vida digna ou até nomeadamente, o que atenta contra a democracia, ele age do mesmo modo.

São famosas as palavras de dom Hélder Câmara: “Quando dou um pedaço de pão, me chamam de santo. Quando denuncio a fome e suas causas, me chamam de comunista”! Sabemos que por trás do uso de termos, de críticas ou elogios, existem mais razões do que a vã filosofia pode imaginar! No contexto brasileiro atual, padres e pastores são idolatrados ou execrados, consoante correspondam ou não, às expectativas do momento político.

Os sacerdotes de hoje, independentemente do termo a eles atribuído, têm três pontos de referência: a Bíblia, o Magistério e a Tradição. Todos eles abominam qualquer reducionismo do ofício desses “homens ou mulheres de Deus”! Digo mulheres, porque em algumas denominações elas já aí se incluem e um dia quem sabe, o farão também na Igreja à qual pertenço.

Cabe aos padres e pastores pastorear o rebanho e protegê-lo. E se isso implicar em enfrentar os lobos (muitos disfarçados de ovelhas) devem fazê-lo com coragem e galhardia e espírito de sacrifício. Jesus deu a vida muito jovem em defesa dos valores que hoje pautam a nossa existência e até a nossa civilização. Uma boa parte das Constituições, inclusive a nossa, sobre eles se alicerça. Como padre católico, aprecio caprichar em missas, casamentos e batizados. Mas há trinta anos que celebro a minha missa diária além da sacristia!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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