Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA - Peripécias na roça
| Foto: Marco Jacobsen

Só quem já morou em sítio sabe o que acontece quando não bate a bota no chão antes de calça-las. Corre o risco de sair uma aranha, ou qualquer bicho de dentro da botina. Mesmo a casa sendo limpa, os insetos ou aracnídeos gostam de se instalar em lugares escuros e os calçados são um lugar preferido para esses pequenos bichos.

Antigamente, muitas vezes, as casas de madeira, no sítio, não tinham forro e de noite quando o pessoal ia dormir via algum rato, aranha e cobra na madeira que sustentava o telhado. Ate gambá podia aparecer. Certa vez ,há uns cinquenta anos, meu pai comprou um pequeno sítio em Tamarana, perto de Londrina, e nos primeiros dias de arrumação em que dois de meus irmãos mais velhos ficaram lá pra pernoitar na velha casa de madeira, daquelas que eram erguidas em tocos de árvores e, por baixo, se enfiava lenha, ferramentas e tudo quanto era coisa que não podia pegar chuva, eu fui junto pra ajudar, pois era época de férias escolares.

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Lembro que estava cansado, as mãos cheias de bolhas, pois não estava acostumado com enxada e era só o primeiro dia. Dormi feito uma pedra, isto é, até meu irmão mais velho levantar no meio da noite e acender um lampião, pois não tinha ainda luz elétrica na casa, e constatar que havia um rato dormindo nos pés dele. Ainda teve que botar o rato dorminhoco pra correr .

-Mas que rato folgado, viu? Deve ter achado que meu pé era um provolone! E deu uma vassourada no bicho que saiu pulando pela porta afora da casa. E foi só risada. Três horas da manhã e nós ali dando risada. Eu e o outro meu irmão rindo do que estava lavando os pés.

-Vocês vão achar graça mesmo quando a gente acordar de manhãzinha pra pegar aquele carreador cheio de mato lá no espigão.

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E logo dormimos porque o dia ia ser cheio mesmo. Cedo o sol veio quente, e realmente o carreador tinha muito mato. Já estava até meio acostumado com as bolhas nas mãos que agora estavam em carne viva quando de repente apareceu uma enorme de uma aranha. Daquelas que dá vontade correr delas. Chamei meu irmão mais próximo e ele disse que era pra deixar de lado. Sitio é assim mesmo. É cobra, aranha, escorpião e assim vai. Faz parte da natureza. E continuou a capinar.

- Então, tá né? E continuei o serviço, meio de olho na aranha lá pra trás. Mais tarde meu pai aparece no sítio vindo de ônibus, que passava na estrada. Ele ia ficar o resto da semana com a gente. Não podia fazer serviço pesado pois estava se recuperando de uma cirurgia nos olhos. Trouxe uma bola de mortadela pra mistura das refeições. Meu irmão a pegou e colocou pendurada num galho meio alto de uma árvore.

Meu pai disse que iria descer e conversar com um vizinho. Um de meus irmãos falou que iríamos pra casa dali a pouco mas iríamos terminar o serviço primeiro. Ao terminar voltamos pra pegar a bola de mortadela. Mas cadê? Foi aí que vimos o cachorro de um dos vizinhos comendo a mortadela. E já estava do meio pra lá o esganado! Ficamos indignados. O cachorro saiu em disparada quando nos viu. O bicho sabia que tinha feito coisa errada. Mas fazer o quê? ficamos sem mistura o resto da semana. O sítio ainda não tinha galinha nem ovos. Mas dizem que a melhor mistura é a fome e é mesmo, assim como o melhor tempero também.

Os dias foram passando, as mãos calejando com as bolhas ressecadas, batendo as botinas na hora de calçar de manhã e dando cada vez mais valor a um prato de comida, pois o valor ao trabalho é a maior herança que um pai pode dar a um filho.

Dailton Martins é leitor da FOLHA