Tenho boas lembranças de quando era criança e em muitos domingos íamos ao sítio de minha tia Amélia que carinhosamente chamávamos de tia Nené, irmã de minha mãe. Tia nené, era casada com meu tio Albino, português de Portugal, veio para o Paraná e se instalou num sítio no Bratislava, patrimônio de Cambé. Ali formou uma família de pessoas formidáveis, gente muito trabalhadora. Lembro que havia uma pequena parreira de uvas verdes, não que fossem uvas verdes mas quase as nunca vi maduras, mesmo porque quando amadureciam era num domingo em que nós não íamos lá. Certa vez meu tio me deu umas de um pequeno cacho que estava começando a dar umas uvas.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Minha tia Nené
| Foto: Marco Jacobsen

Eu estava acompanhando meu pai e meu tio numa pequena peregrinação pelo quintal a conversar sobre coisas antigas de homens antigos. Coisas da terra de além mar. E lá se iam histórias sem fim sobre a libertação de Portugal em relação aos espanhóis já há alguns séculos. Contava sobre sua família quando era moço em Portugal numa narrativa que hoje depois de ler Camões me parece uma formidável epopeia, como todo bom Português sabe fazer. E veio parar aqui no norte do Paraná em mais uma epopeia que fez parte sem o saber. Fernando Pessoa dizia em sua poesia que “navegar é preciso, viver não é preciso”, ou seja, não há exatidão no viver embora o seja necessário no mar. E também dizia o poeta luso que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Para fazer a vida valer a pena é preciso muita labuta, disposição em viver e caminhar mais adiante. Tudo isso eu via naqueles meus primos que, muitos estavam indo ao município de Cruzeiro do Oeste no Paraná para trabalhar, desbravando matas e empreendendo lavouras. Uma vida que exigia sacrifícios e determinação.

Uma família bondosa. Íamos em alguns domingos naquele maravilhoso sítio e a visita era sempre muito agradável. Eu e meu irmão mais novo íamos andar um pouco e sempre tinha um pé de goiaba antigo perto da casa, que dava goiabas muito doces. Goiaba vermelha, a melhor. Os passarinhos não davam conta de todas elas e sobravam algumas que achávamos em meio às folhas verdes da goiabeira. Era sempre uma alegria achar uma goiaba no ponto, sem uma bicada de passarinho ou algum bichinho dentro.

No final da visita saíamos com o carro sempre abarrotado de frutas, mandioca, abóbora e tantas coisas que nem lembro mais. Uma família que nos recebia de coração aberto. Minha mãe e minha tia ficavam conversando coisas do passado, de quando viviam na casa de seus pais, meus avós maternos, vô Juliano e vó Maria, que não cheguei a conhecer, pessoalmente, só em fotos em preto e branco amareladas pelo tempo e sempre no meio de perobas e casas de pioneiros dessas terras do Paraná. Ficavam na cozinha um pouco e depois iam ver algumas coisas lá fora no jardim de flores aleatórias que formavam uma linda miscelânea de cores e formas . A flora do Paraná tem uma diversidade impressionante.

Final de visita, eu e meu irmão mais novo de pés descalços e sujos de terra entrávamos no carro, depois de despedirmo-nos conforme o protocolo implícito de parentes em visita de domingo, beijos e abraços na tia e nas primas, aperto de mãos ao tio e primos . Meu primo Zé ainda dizia: Tia, não quer levar um pouco de laranja? Tem um pé carregado. Se não levar, vai estragar! E o porta malas cheio de tudo o que se pensasse de coisa de sítio. Um dos meus irmãos mais velhos que acompanhava a gente dizia: - 'Zé, tô ficando até com vergonha, o carro já tá cheio!' Mas minha mãe sempre aceitava umas laranjas ou outra coisa de final de visita. Meu irmão ficava envergonhado mesmo, mas era engraçado. Minha mãe e minha tia Nené davam risada. E depois íamos pelo carreador com o carro lotado não só de frutas e verduras, mas de um grande sentimento de amizade e amor entre parentes.

Ao longe, no alto do espigão, depois das lombadas que interrompiam as enxurradas, em dias de chuva, ainda víamos mãos acenando e levantávamos as nossas em retribuição. Coisas inesquecíveis.

Dailton Martins é leitor da FOLHA