Éramos pequenos demais para entender um pouco sobre dureza da vida! Vivíamos num sítio no interior do Paraná, onde meus pais trabalhavam como meeiros ou empregados ... não tenho certeza! A casa onde morávamos era de madeira nobre, sem forro ou mata-juntas. Construída sobre palanques tinha três degraus que davam acesso direto na cozinha. Havia nela um porão onde os cachorros passavam a noite e até ali procriavam.

Poucas e rústicas mobílias davam o conforto necessário para a simplicidade de nossas vidas. Energia elétrica? Não nos fazia falta, pois não a conhecíamos! As noites eram iluminadas pelas velhas lamparinas alimentadas com querosene comprada em galões que deixavam as vigas do teto negras entrelaçadas por teias de aranhas.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA|  Infância na roça
| Foto: Marco Jacobsen

Nossos colchões eram feitos de palha de milho e os travesseiros de paina. Um grande pote de argila armazenava a água fresquinha retirada do poço que ficava na cozinha. Tínhamos poucos objetos de uso diário que hoje são itens decorativos em algumas casas. Mamãe colecionava alguns talheres que vinham de brinde dentro dos pacotes de farinha comprados na cidade – era um dos poucos luxos! Recordo-me do velho ferro de passar roupa, o moedor de carne, a moringa que levava água para a roça nos dias de lida, o torrador e o moedor de café além de uma velha “baciona” que ficava dependurada no velho banheiro onde tomávamos banho.

Ao lado da casa, não mais que dez passos, haviam três grandes paineiras que faziam sombra no quintal aplacando o sol que castigava aquelas tardes quentes. No final do dia, após a jornada na roça, sentávamos nos bancos cuidadosamente construídos debaixo delas e contabilizávamos as conquistas daquele dia.

O terreirão, feito com tijolos maciços e bem assentados, o banheiro e a velha tuia completavam a paisagem. O forno de barro, construído debaixo de uma velha cobertura, ficava como que olhando para nós implorando mais uma fornada de pães. Ah, como era maravilhoso ver aquelas obras de arte culinária saírem fumegando de sua boca e exalando o mais inebriante dos perfumes. Depois de perderem o calor, mamãe os guardava em uma lata juntamente com as bolachas feitas no mesmo dia e assim tínhamos o que comer por semanas.

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Poucas coisas necessitávamos buscar na cidade. Vez ou outra, papai arriava a charrete e para lá partia sozinho comprar alguns víveres que não produzíamos no sítio. O cheiro do couro das cilhas e dos arreios ainda parecem estar no ar. Abríamos a primeira porteira para que passassem com a esperança de sermos convidados para uma aventura na cidade... mas em vão! Em silêncio e com olhar meio triste, víamos a velha égua branca, cabisbaixa, marchar a passos lentos como que contrariada a fazer tal percurso novamente...

Sentados no mourão da cerca, ficávamos por horas olhando ao longe na expectativa de vê-los retornar. Quando os avistávamos o coração disparava e saíamos aos gritos e descalços em desabalada carreira ao seu encontro cortando o pasto sem temer um possível “carreirão” das vacas que ali pastavam. Sabíamos que naquela parca compra alguma guloseima nos traria para alegrar um pouco nossas pequenas vidas solitárias naquele fim de mundo de meu Deus!

Valdinei Franco é leitor da FOLHA

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