O rei Roberto Carlos costuma cantar as mulheres com músicas sempre carinhosas homenageando seus nomes: Ana, Laura, a quem chama de Lady, Amapola, Malena, Rosa...ou sua formas, mulher pequena; nas mudanças necessárias, com o charme dos seus óculos, suas idades, mulher de quarenta, que ainda sendo nova já tem um passado e até massageia o ego da gordinhas com Coisa Bonita.

Atualmente parece que ele deixou esse assunto de lado, talvez porque já ultrapassou os oitenta. Gostamos das músicas dele e de todas que nos colocam no nosso lugar: de rainhas, claro. Tenho muitas amigas queridas chegando aos sessenta e é com carinho que, homenageando-as, passo minha experiência de vida: De repente, 60. Olho-me no espelho e não me reconheço. Os amigos são muito solícitos ao dizerem que “nem parece”.

Novamente tento entender o que há de afinidade entre mim e esta senhorinha de 60 anos. Não me reconheço, mas também não me estranho. Fecho os olhos e o tempo, no sentido anti-horário, corre, vertiginosamente e dá muitas e muitas voltas. Encontro-me numa garota comum, frágil, um patinho feio que demorou a se reconhecer como cisne. Um coração tremendamente romântico, cheio de fadas e princesas, príncipes e sapos, veloz na imaginação, rica de interior, visão futurista e pés levemente acima do chão...

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Rádio

Algumas lembranças

Dona Elvira benzedeira

O tempo é uma manhã, fresca e cheirosa, o barulho são gorjeios, as cores estão saltando aos olhos. Preparo-me para correr pela estrada que se apresenta à minha frente. Ando com pressa, cheia de esperança, transbordando de alegria, atenta ao mundo que vem ao meu encontro. Alguém caminha à minha frente. Numa sintonia única, mostra-me um caminho bonito, cheio de sonhos a realizar, sem perder, nunca, a confiança e a coragem.

O mundo me convida a descobri-lo. E me mostra um caminho longo, cheio de pessoas, sons, cores, sentimentos. Visto-me da alegria da criança, da paixão que impulsiona e extrapola o próprio corpo, da tristeza, da lágrima e do sorriso, em maior quantidade pois vou precisar muito dele, principalmente nas horas difíceis.

Imagem ilustrativa da imagem Mulher de sessenta ...
| Foto: iStock

Choro e sofro, sempre por amor ou por falta dele. Às vezes o relógio parece que para, outras corre tanto que não consigo curtir a paisagem. São os sonhos que se realizam ou a realidade que nos faz voltar à luta, nos corrige e transforma. Surgem as grandes festas: o amor consumado, o conhecimento adquirido, o colaborar, o construir e o fazer a minha parte. E a maior realização que é participar da obra criadora de Deus e reconhecer, nos novos seres, tanta coisa de mim. Não sei onde me reconheço mais, se no início, ansiosa pela descoberta, se, no meio, vivendo e atingindo a plenitude de todos os amores e sabores, ou se nesta terceira fase, onde me sinto ainda cheia de sonhos para o futuro, cheia de vigor para realizá-los, saboreando com calma toda bagagem que eu trouxe, receita completa de vida...

Olho-me no espelho e reparo na pele marcada por sulcos ao redor de tudo que eu vi. Os cabelos nascem com cores diferentes. Uso óculos, próteses.. O corpo já não acompanha a agilidade do cérebro. Quer correr como os bichos nas manhãs, mas é contido pelas longas andanças; agora a ordem é ir devagar, aproveitando o presente, porque não precisa e nem quer ter pressa.

Mas o coração, ah, este é grande e forte, cabe tudo e todos e ainda um pouco mais. Vai parar quando se cansar e chegar a hora de mudar para outra vida, mais plena e maravilhosa, conforme Deus me prometeu. Até chegar lá, meus amigos e amigas, meus familiares, meu marido, filhas e Cia, presentes e ausentes, de longe dos olhos, mas perto do coração, razão de valer a pena viver, até lá, este coração... Tem ainda muita corda!!! “Em todas as nossas diferenças e semelhanças nós nos encontramos, somos mulheres e temos o direito, em qualquer idade, de sermos felizes...E a hora é agora!

Estela Maria Ferreira, leitora da Folha