Bruxelas - Mais de 2 milhões de ingleses sofrem efeitos da chamada Covid longa, indica pesquisa com mais de 500 pessoas feita pelo Imperial College e divulgada nesta quinta (24) pelo governo do Reino Unido. O número equivale a 5,8% da população; 2% dos pesquisados relataram sintomas graves, o que corresponde a quase 690 mil pessoas.

Imagem ilustrativa da imagem Mais de 2 milhões de ingleses sofrem efeitos da Covid longa
| Foto: Oli Scarff / AFP

O termo Covid longa é usado para descrever sequelas de longo prazo (ao menos 12 semanas) após infecção pelo Sars-Cov-2, uma síndrome ainda mal definida, que pode incluir fadiga, dores musculares, dor no peito, falta de concentração, falta de ar, perda do paladar e do olfato. Os resultados "pintam um quadro preocupante das consequências de longo prazo para a saúde, que precisam ser levadas em consideração na política e no planejamento", afirmou Paul Elliot, diretor no Imperial College do estudo -chamado React 2.

INCERTEZA

Segundo os pesquisadores britânicos, há incerteza sobre o que predispõe aos sintomas, quão longa pode ser sua duração e que porcentagem dos doentes estão sendo afetados. "A escala do problema é bastante alarmante e mostra claramente o quanto é crucial entender melhor a questão para tratar os afetados", disse o professor Kevin McConway, professor emérito de estatística aplicada na Open University.

O estudo React-2 acompanha adultos selecionados aleatoriamente e faz testes de anticorpos para acompanhar a evolução da infecção por coronavírus na Inglaterra. Nessa fase, 508.707 participantes foram questionados sobre se achavam que já haviam tido Covid-19 e sobre a presença e duração de 29 sintomas diferentes -desde fadiga que impossibilita sair da cama até espirros que não passam-, entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021.

Do total de participantes, 19,2% (ou cerca de 97 mil pessoas) acreditavam ter tido Covid-19, das quais 76.155 apresentaram sintomas da doença. Do grupo que teve Covid-19 sintomática, mais de um terço (37,7%) manteve um dos sintomas por pelo menos 12 semanas. Outros 14,8% relataram sofrer de três ou mais sequelas por no mínimo três meses.

A pesquisa indicou também que um terço dos que tiveram Covid longa com um sistema haviam passado por um quadro grave durante a infecção por coronavírus, com impacto significativo na vida diária.

As estimativas de prevalência no React-2 foram poderadas por idade, sexo, etnia, distribuição da população entre diferentes regiões e nível econômico e social, e os sintomas persistentes foram mais comuns em mulheres: 3 delas relataram Covid longa para cada 2 homens com as sequelas.

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RISCO E IDADE

O risco também aumentou linearmente com a idade, em 3,5 pontos percentuais por década de vida. Obesidade, tabagismo, hospitalização e maior vulnerabilidade econômica e social também foram associados a uma maior probabilidade de sintomas persistentes.

Os pesquisadores identificaram dois "perfis" (clusters) de sintomas persistentes por mais de 12 semanas: no maior deles, cansaço e dores musculares foram os impactos mais comuns, enquanto no outro grupo o foco foram falta de ar grave, dor no peito e perturbações respiratórias.

O especialista em estatística McConway ressaltou também o quanto ainda é grande a lacuna de conhecimento sobre a Covid e seus impactos mais duradouros. Ele observou que, embora o React-2 seja baseado em uma amostra grade e representativa de habitantes da Inglaterra, outro estudo feito pelo departamento de estatística do Reino Unido (ONS) havia encontrado cerca de um terço da prevalência.

Também partindo de amostra representativa das quatro nações britânicas (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte), o ONS estimou que cerca de 741 mil ingleses tiveram um sintoma persistente por ao menos 12 semanas.

'MAIS COMUM DO QUE PENSÁVAMOS'

Uma das explicações para essa diferença, segundo ele, é que a pesquisa do ONS estimou o número de pessoas que tiveram Covid longa em uma data específica (2 de maio), enquanto o React-2 mediu quantas já passaram pela síndrome em algum momento entre setembro e fevereiro. As listas de sintomas também eram diferentes em cada um dos estudos.

O fato é que os estudos "contam uma história semelhante: a de que a Covid longa é substancialmente mais comum do que pensávamos originalmente", afirmou David Strain, da Universidade de Exeter. "Embora o risco na população mais jovem seja menor, ele permanece significativo, o que é preocupante, dado o aumento dos casos da variante delta nos ainda não vacinados com menos de 30 anos."

Ele ressalta que os trabalhos britânicos, como todas as pesquisas baseadas em autodeclaração, "dependem da experiência das pessoas em relatar seus sintomas", o que ele chamou de "viés de relato". Isso explicaria, de acordo com ele, diferenças como as de gênero ou de grupos étnicos. "No entanto, os resultados semelhantes usando duas estratégias diferentes são altamente sugestivos de que essas são descobertas verdadeiras", afirmou.

NORUEGA

Além do estudo inglês, um trabalho publicado na quarta (23) na revista Nature Medicine, realizado por pesquisadores noruegueses, mostrou que 61% de 312 pacientes acompanhados ainda tinham sintomas de Covid-19 seis meses depois da infecção. Mais da metade (52%) eram jovens entre 16 e 30 anos, e os sintomas persistentes mais comuns eram cansaço e perda de olfato e paladar.

Segundo o virologista Julian Tang, professor da Universidade de Leicester, tanto o React-2 quanto o artigo publicado na "Nature" mostram que uma proporção significativa de adultos desenvolvem Covid longa, o que pode se tornar "um fardo mais para os serviços públicos de saúde" .

Ele afirmou, porém, que existe a possibilidade de os efeitos duradouros se tornarem menos comuns conforme a convivência entre humanos e coronavírus for se estendendo: "No início da pandemia de gripe espanhola de 1918, vimos complicações incomuns como 'encefalite letárgica', que foi até assunto do filme 'Despertar' [de 1990 com Robert De Niro e Robin Williams], e hoje em dia não vemos mais isso".

Tang disse que a Covid longa pode se tornar menos comum à medida que desenvolvemos uma imunidade mais longa e diversa a esse vírus, mas, "nesse ínterim, é melhor prevenir do que remediar", com aceleração das vacinações em todo o mundo.

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