Os esforços para assegurar o direito e regulamentar as videochamadas hospitalares não são recentes, mas acabaram se tornando uma urgência com a pandemia do coronavírus. Com milhares de pacientes internados e a suspensão das visitas presenciais, as famílias se veem, muitas vezes, limitadas às notícias apenas pelos boletins médicos via WhatsApp.

Imagem ilustrativa da imagem Londrina participa de campanha para assegurar visitas virtuais hospitalares
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No entanto, para quem está vivendo essa realidade, seja paciente ou familiar, a angústia pela ausência de comunicação pode agravar ainda mais a situação. É com esse foco que um grupo de profissionais, especialmente da área da saúde, lançou a campanha #precisodizerqueteamo, encabeçada pela médica geriatra e gerontóloga da USP (Universidade de São Paulo), Ana Claudia Arantes, e que conta com a participação de profissionais de Londrina.

A causa busca mobilizar a sociedade para a aprovação da PL 2136/2020, que dispõe sobre videochamadas relativas a pacientes internados em serviços de saúde. O projeto de lei existe desde abril de 2020, mas estava "parado". No dia 30 de junho, ele voltou aos holofotes ao ser aprovado na Câmara dos Deputados e agora aguarda a votação no Senado Federal. Na Câmara de Vereadores de Londrina também tramita projeto de lei sobre o assunto.

A advogada Franciane Campos e o marido, que teve Covid e ficou na UTI
A advogada Franciane Campos e o marido, que teve Covid e ficou na UTI | Foto: Arquivo pessoal

'FUI PRIVILEGIADA'

Uma das organizadoras da campanha é a advogada em Londrina, Franciane Campos. Ela conta que sentiu na pele “o cerceamento de um direito humano” quando o marido teve Covid-19 e ficou internado na UTI. “A primeira resposta que tivemos foi negativa, ou seja, teríamos direito apenas a boletins por meio de WhatsApp, mas fui privilegiada, pois a médica entregou o celular dela para o meu marido na UTI e disse para ele me ligar. Nos acalmamos na hora e teve uma importância muito grande para nós”, afirma.

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| Foto: Arquivo pessoal

Desde o início da campanha em maio deste ano, Campos já recebeu cerca de 100 relatos de profissionais e familiares sobre a ausência de comunicação presencial e virtual. “Os pacientes se sentem abandonados e os familiares entram em desespero. Os boletins médicos via WhatsApp são desumanizados. Nós precisamos sim, de uma lei que regulamente essa prática”, ressalta a advogada.

No HU (Hospital Universitário) de Londrina, com a suspensão das visitas presenciais por conta da pandemia, o serviço de videochamada foi implantado pela Central de Acolhimento para aliviar o sentimento de "abandono" entre os internados, atendendo também ao desejo das famílias.

DIMINUI A ANGÚSTIA

A médica de Família com atuação em Medicina Paliativa, Madalena de Faria Sampaio diz, pela experiência em hospitais de Londrina, que as videochamadas possibilitam uma proximidade dos pacientes com aqueles que estão distantes, trazendo acalanto e diminuindo as angústias relacionadas. “Além de permitir, nos casos extremos, momentos de despedida entre familiares e doente, que não podem fazê-lo presencialmente, diminuindo o sofrimento familiar e melhorando um pouco a vivência desse luto”, diz.

Madalena de Faria Sampaio , médica de família
Madalena de Faria Sampaio , médica de família | Foto: Arquivo pessoal

Sampaio é uma entre os profissionais que apoiam a campanha por entender que as videochamadas nos ambientes hospitalares é um direito a ser garantido. “Precisamos dessa ferramenta para que as equipes de saúde possam continuar sendo a ponte entre família e paciente para um cuidado humano e digno. Como médica paliativista entendo que o paciente não adoece somente na esfera física. Cada paciente apresenta no processo de adoecimento sofrimentos nas esferas física, social, espiritual e psicológica. Assim, quando em isolamento, por motivo de doença, além das questões físicas envolvidas tem todo sofrimento causado pelo isolamento social e familiar”, acrescenta.

De acordo com Campos, que coordena a Comissão de Bioética e Biodireito da OAB (Ordem dos Advogados) Londrina, a chamada em vídeo já é considerada uma boa prática médica em países como os Estados Unidos. “É uma evidência médica que o paciente sai da UTI em tempo bem menor e que os parâmetros clínicos nos monitores são alterados quando há um contato, mesmo que visual, com os familiares. É uma prática simples e de rotina”, comenta.

PACIENTE INCONSCIENTE É TEMA POLÊMICO

O tema mais polêmico dessa discussão, segundo a advogada Franciane Campos, é a respeito dos pacientes inconscientes, ou seja, que estão entubados, em coma ou sedados. “Em abril deste ano, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) emitiu um parecer dizendo que fica vedada a realização de videochamadas em pacientes nessas condições. A dra Ana Claudia Arantes (geriatra) se manifestou contra e foi notificada pelo órgão. Diante disso, ela me convidou para atuarmos nessa frente e começamos uma extensa pesquisa sobre legislações que tratam do tema. O melhor exemplo em termos de lei que temos hoje é na Paraíba”, detalha.

Assim como na maioria dos estados brasileiros, o Paraná também dispõe de um projeto de lei que, na visão da advogada, necessita de regras mais específicas. “Não diz, por exemplo, como essas visitas podem ser realizadas e a quantidade”. Londrina também tem um projeto de lei em andamento e que vem sendo acompanhada por Campos. Ela diz que uma reunião pública foi realizada no dia 18 de junho com vários representantes de hospitais e a Associação Médica de Londrina. “Percebemos o interesse em fazer valer essa lei. O próximo passo será encaminhar o relatório para todas as instituições e provavelmente haverá uma audiência pública”. O projeto de lei 135/2021 foi apresentado pela vereadora Lu Oliveira (PL) na Câmara Municipal de Londrina.

Segundo Campos, o maior obstáculo para as instituições hospitalares diante das visitas virtuais é a questão da privacidade e sigilo de pacientes, o que poderia gerar um dever de indenização. “Esse é um dos pontos que mostram a necessidade de se ter uma lei”, completa.

Entre as sugestões de alteração do texto do projeto de lei nacional, Campos cita a inclusão de todas as doenças infectocontagiosas; a garantia de pelo menos uma visita por dia, tanto na enfermaria, apartamentos e UTIs; e que quando o profissional se negar a fazer, que isso esteja registrado no prontuário.

Outra proposta é a criação de um tempo de responsabilidade para todos os envolvidos. “Quem realizar a videochamada deve assinar um termo para que essas mensagens e vídeos não sejam publicados em redes sociais ou outros locais de acesso público, por exemplo”, destaca.

A realização das videochamadas entre pacientes em isolamento hospitalar e família é garantida constitucionalmente pelo artigo 1º, III, da CF, que tutela a dignidade da pessoa humana; artigo 3º, I, CF, que preconiza a construção de uma sociedade justa e solidária, artigo 5º, III, CF, que garante que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante; artigo 5º, XIV, CF, que garante o direito à informação e art. 227, CF que assegura o direito à convivência familiar.

SERVIÇO: Quem tiver interesse na causa, pode colaborar assinando o abaixo-assinado pela Aprovação do Projeto de Lei das Videochamadas Hospitalares, neste link.

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