Educação física é subvalorizada como política pública
Para presidente do CREF, é preciso pensar em um modelo em que a atividade faça parte da vida desde a infância e siga até a velhice
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segunda-feira, 02 de junho de 2025
Para presidente do CREF, é preciso pensar em um modelo em que a atividade faça parte da vida desde a infância e siga até a velhice
Matheus Camargo

Solução para uma série de doenças, seja como cura ou prevenção, os exercícios físicos ainda são um tabu para várias pessoas e subvalorizados como política pública de saúde. O presidente do Conselho Regional de Educação Física do Paraná (CREF/PR), Gustavo Brandão, é um defensor da inserção maior dos profissionais da área no dia a dia da população.
Em entrevista à FOLHA, o especialista destacou a educação física como método até mesmo para baratear os gastos públicos com saúde.
“A nossa sociedade hoje está muito sedentária, e os números mostram que os índices só pioram. A gente precisa pensar numa estratégia em que o exercício físico atue para estancar esse problema, reduzindo os efeitos da obesidade e do sedentarismo. Isso impacta diretamente no custo da doença. Hoje, a gente fala em secretarias de Saúde, mas muitas vezes parece uma secretaria para tratamento de doença”, apontou Brandão.
“A educação física entra no modelo da prevenção, no cuidado para evitar o surgimento de doenças crônicas degenerativas e não transmissíveis. É necessário pensar em um modelo em que o exercício físico faça parte da vida da pessoa desde a infância, passando pela adolescência, vida adulta e velhice. A população está envelhecendo, e é preciso pensar nos cuidados com essa população”, seguiu.
Discrepância entre academias e usuários
Gustavo Brandão esteve em Londrina em maio para um evento da Acad Brasil (Associação Brasileira de Academias) e destacou o aumento no número de locais especializados na prática de exercícios físicos no país.
De acordo com ele, o Brasil é atualmente o segundo país no mundo com o maior número de academias, mas ainda há uma discrepância entre estabelecimentos e usuários. Conforme dados do Panorama Setorial Fitness Brasil 2024, o Brasil conta com 56.833 centros de atividades físicas, e atualmente o trabalho é para que a frequência das pessoas seja maior nestes espaços.
“É mais barato investir em prevenção com exercício físico do que gastar milhões de reais em cirurgias cardíacas. Durante a pandemia de Covid, ficou evidente que a prática de exercício físico ajuda a combater sintomas como ansiedade e depressão. Os efeitos positivos do exercício físico são amplamente estudados e, por isso, vários profissionais o indicam. Ele é o ‘remédio’ mais barato”, destacou.

Valorização dos profissionais da área
“É preciso inserir a educação física no contexto da saúde de forma valorizada, oferecendo atendimento de qualidade para a sociedade. O problema é a subvalorização: se o profissional não é aceito, bem remunerado e não tem condições de trabalho, como materiais e espaços adequados, isso impacta diretamente na qualidade do serviço. Quando há valorização, seleção de profissionais adequados e atenção ao trabalho do educador físico, os resultados são fantásticos", afirma.
"No Paraná, por exemplo, conseguimos uma reunião com o secretário (de Estado de Saúde) Beto Preto para pedir a inclusão do profissional de educação física no rol de profissões da saúde. O Hospital Universitário da Universidade de Ponta Grossa já conta com profissionais de educação física contratados para atuar com exercício físico no meio hospitalar”, revelou Gustavo Brandão, que seguiu.
“A classe política precisa entender que investir em exercício físico reduz custos com doenças. O problema é planejar e colocar em prática, valorizando o profissional e selecionando quem vai atuar nessa área. É absurdo que o profissional de educação física ainda não seja amplamente aceito nos hospitais. Hospital não é só para médico, fisioterapeuta e enfermeiro. É também para o profissional de educação física, com certeza absoluta”, opinou.
Preocupação com a infância
A comissão sobre saúde e bem-estar de adolescentes da revista científica The Lancet publicou neste mês um estudo que revela que um em cada quatro jovens vão ter obesidade ou sobrepeso até 2030. O Brasil e os países da América Latina são um ponto de preocupação, conforme a revista. Atualmente, cerca de 15,5 milhões de pessoas com até 19 anos já possuem excesso de peso no país.
“Ainda há subvalorização nas escolas, especialmente no que diz respeito à introdução de uma vida ativa desde cedo nas crianças. Agora, se desde criança a educação física e os exercícios estão inseridos no hábito de vida, o desenvolvimento cerebral e físico é outro. Estamos falando de um direito fundamental que, se bem planejado e executado, é mais barato do que tratar doenças”, reforçou o presidente do CREF.
“O custo com saúde pública é altíssimo e crescente. As secretarias de saúde costumam ser as que mais consomem recursos dos municípios. E o limite de gasto? Não há. Com o aumento do sedentarismo, hipertensão, cardiopatias... Como resolver isso? Desde o início, com estímulos na infância. Uma criança fisicamente ativa tende a ser um adulto ativo e com níveis adequados de saúde.”
Periodização e acompanhamento
A preocupação com a infância chega até a idade mais avançada da vida. Conforme o profissional, a periodização e o acompanhamento são fundamentais para uma qualidade de vida maior na velhice.
“Essa área do planejamento, da periodização, do acompanhamento, da reavaliação... Isso é interessante. E a gente consegue ver dados que são fantásticos. Você pega o hipertenso idoso, começa a fazer regularmente exercício físico leve, de baixa intensidade, e de repente ele está normal. A pressão dele melhora, não precisa mais tomar remédio. O médico libera. Você vê o resultado”, explicou.
“Traz isso para a gestão pública. Isso é custo. Estou falando do idoso de 60, 65 anos. Reduziu, melhorou a hipertensão dele. Mas e se fosse uma criança ativa fisicamente desde sempre? Não seria hipertensa. Não teria esse custo com a medicação.”

Academia e corrida fazem parte da rotina
O exercício físico foi a saída encontrada por Débora Ponce para melhorar a qualidade de vida. Aos 30 anos, a servidora pública sofria com dores no joelho e também com um alto nível de estresse, que têm sido tratados com uma rotina diária de trabalhos na academia e com corridas de rua.
“Tudo começou no ano passado, porque comecei a sentir dores no joelho. O médico me orientou a fazer exercícios, mas com acompanhamento profissional. Foi aí que comecei a frequentar um estúdio de exercícios físicos. Nas aulas, conheci algumas pessoas que me apresentaram um grupo de corrida. Elas viviam falando pra eu entrar no grupo, que eu ia gostar", lembrou Débora, que admitiu a resposta negativa no início.
"No começo deste ano, para tentar aliviar o estresse do trabalho, decidi entrar no grupo. Primeiro, corria sozinha, na academia do prédio. Mas depois resolvi ir aos treinos presenciais, e gostei. Aí fui picada pelo ‘bichinho da corrida’, como elas dizem", seguiu ela.
"Nem sei dizer qual foi a última vez que precisei tomar remédio por causa da dor no joelho. O trabalho de fortalecimento no estúdio tem feito toda a diferença também", pontuou. "Meu trabalho é pesado, tem dias bons e ruins, e a corrida virou minha aliada contra o estresse."
Débora disputou suas duas primeiras provas em maio e finalizou o percurso de 5 km. "A primeira foi a Adriana de Souza (em Ibiporã), e fiz em um tempo acima do que gostaria. Aí coloquei na cabeça que na próxima ia melhorar, e consegui! No dia 25, fiz o Circuito de Corrida do Sesc, e fechei abaixo do que esperava. Foi uma diferença mínima, mas foi uma realização", concluiu.