A história de vida da atleta paralímpica de Londrina, Marcia Menezes, se cruza com a do médico pneumologista de Cascavel (Oeste), Humberto Golfieri Junior, por uma importante questão de saúde pública. Ambos contraíram a poliomielite, também chamada de pólio ou paralisia infantil, nos primeiros anos de vida e convivem com as sequelas da doença.

Aos 54 anos, a atleta londrinense lembra das inúmeras cirurgias e sessões de fisioterapia devido a falta de movimentos na perna direita. Com o passar dos anos, a força acumulada na perda esquerda acabou gerando um desgaste no joelho e hoje Menezes não consegue mais caminhar. Ela faz uso de cadeira de rodas e, em alguns momentos, de muletas.

'DE UM DIA PARA OUTRO ADOECI'

“Minha mãe conta que, com 1 ano e 3 meses, acordei um dia com febre alta, chegando a convulsionar. Eles correram para o hospital e foi constatado que eu tinha contraído o vírus da poliomielite. Eu corria, andava, era bem saudável, mas de um dia para outro adoeci”, diz.

O vírus da poliomielite é transmitido pelo contato direto entre pessoas por via fecal-oral; por objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou de portadores do vírus; ou por gotículas de secreções da garganta, expelidas durante a fala, tosse ou espirro.

A família que vivia em Bela Vista do Paraíso (Região Metropolitana de Londrina) se mudou para Londrina devido à rotina de tratamento. “Minha mãe conta que eu voltei a ser um bebezinho. Tive que fazer readaptação, aprender a comer e a sentar novamente. Meu irmão mais velho, já falecido, me levava no colo até o Ilece (Instituto Londrinense de Educação para Crianças Excepcionais). Com o tempo, após muito tratamento e sofrimento, fui me recuperando, mas fiquei com sequela na perna direita”, diz a atleta.

Segundo Menezes, ela não foi vacinada contra a pólio porque na época havia muitos tabus e a família que vivia na zona rural, não tinha muito acesso à informação sobre a importância da imunização e dos perigos da doença. “Depois de adulta, comecei a participar de associações e grupos de deficientes físicos e vi que tem muita gente na minha faixa etária que ficou com sequela da pólio”, comenta.

'PASSEI POR 12 CIRURGIAS'

A falta de informação também foi o motivo pelo qual o médico Humberto Golfieri Junior, 62, não foi vacinado. Ele tinha nove meses e começava a dar os primeiros passos quando contraiu a paralisia infantil. “Para você ver o impacto que isso gera em uma família, meus pais ficaram desesperados com a situação e foram para São Paulo em busca de tratamento. Fiquei alguns dias em um equipamento que chamava ‘pulmão de aço’ para fazer suporte respiratório. Passei por 12 cirurgias para poder corrigir as sequelas da doença, mas a perna esquerda ficou totalmente paralisada e tive uma limitação de movimentos na perna e braço direito”, afirma.

O pneumologista Humberto Golfieri Junior gravou um vídeo em parceria com a Prefeitura de Cascavel: “Não é porque não vemos uma doença que significa que ela não exista"
O pneumologista Humberto Golfieri Junior gravou um vídeo em parceria com a Prefeitura de Cascavel: “Não é porque não vemos uma doença que significa que ela não exista" | Foto: Divulgação - Prefeitura de Cascavel

O relato deles vem de encontro à Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, que segue até o final deste setembro, para as crianças menores de cinco anos de idade. Mas o cenário de cobertura vacinal em todo o País é preocupante. Com poucas crianças imunizadas com a VOP (Vacina Oral Poliomielite), o risco da doença voltar é alto, segundo entidades e especialistas.

A AMEAÇA ESTÁ DE VOLTA

A Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) estima que cerca de 200 mil casos anuais de paralisia infantil podem ser registrados dentro de uma década, caso a doença não seja erradicada através da vacinação.

O alerta foi divulgado pela SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) que, com o apoio do Unicef, Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rotary Club, AACD, e as sociedades brasileiras de Pediatria, Infectologia e Ortopedia e Traumatologia, mobiliza a campanha “Paralisa infantil – a ameaça está de volta”, com o objetivo de alertar a população sobre o perigo da doença e estimular a adesão à campanha de vacinação.

De acordo com a SBIm, o recuo da vacinação no Brasil começou em 2016. Desde então, exceto em 2018, a cobertura mínima para o controle da doença (95%) não é atingida. Os resultados se tornaram ainda piores após o início da pandemia. Em 2021, 30% das crianças menores de 1 ano não foram vacinadas, 40% não receberam o reforço do primeiro ano de vida e 55% não receberam o reforço dos 4 anos. Os números são do DataSUS.

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. | Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil

“Temos uma geração que, graças às vacinas, não sabe como a pólio é terrível. Não podemos aceitar que crianças deixem de andar ou até mesmo sejam obrigadas a passar a vida com auxílio respiratório por causa de uma doença prevenível. Podemos ter que enfrentar uma tragédia em breve, mas ainda há tempo de evitá-la”, afirma o presidente da SBIm, Juarez Cunha.

EXTREMAMENTE SEGURA

Para incentivar que pais e responsáveis levem os filhos para se vacinar contra a pólio, o médico Humberto Golfieri Junior gravou um vídeo em parceria com a Prefeitura de Cascavel, para compartilhar um pouco de sua história. Até poucos dias atrás, a cobertura vacinal no município estava em 42%.

“Não é porque não vemos uma doença que significa que ela não exista. A paralisia infantil não tem casos registrados há muito tempo no Brasil, mas há um risco enorme de a doença retornar se não houver a cobertura vacinal. Vacina é proteção e garantia de saúde pessoal e pública. Ela é extremamente segura”, ressalta.

Assim como o médico, a atleta Marcia Menezes também compartilha sua história para incentivar a vacinação. “As crianças da faixa etária da vacinação não têm a noção de que é preciso buscar a vacina. Essa atitude depende dos pais, dos adultos. Um conselho que eu daria é que os pais fiquem muito atentos. Hoje, há recursos, há informação. A vacina é gratuita e é vida. Ela evita muito sofrimento e constrangimento, pois na minha época, passei por muito preconceito”, desabafa.

Imagem ilustrativa da imagem Adultos com sequelas da pólio reforçam importância da vacina
| Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Tanto o médico quanto a atleta encontraram no esporte uma forma de conviver com qualidade de vida, diante das limitações. Golfieri Junior pratica ciclismo adaptado e Menezes pratica halterofilismo. Ela foi a primeira paratleta brasileira a conquistar uma medalha mundial na modalidade e acaba de ganhar seis medalhas no Regional Open das Américas de Halterofilismo, disputado em Saint Louis, nos Estados Unidos, abrindo caminho para os Jogos Paralimpícos de Paris em 2024.

ONDE VACINAR

Em Londrina, do início da campanha no dia 8 de agosto foram aplicadas perto de 10 mil doses da vacina contra poliomielite, representando 35% da cobertura vacinal. A campanha prossegue até o dia 30 de setembro e a intenção é vacinar, pelo menos, 95% do público-alvo, que em Londrina é estimado em 30 mil crianças de 1 a 4 anos.

Na tentativa de aumentar a cobertura vacinal, a secretaria municipal de Saúde realizou algumas ações, como imunização em shoppings e nas unidades escolares municipais e também particulares que possuem crianças com esta faixa etária.

A vacina contra a paralisia infantil está disponível em todas as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) de Londrina, de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h. Para receber a dose, basta se dirigir até a UBS mais próxima e não é mais necessário agendar. No ato da vacinação, a criança deve portar um documento pessoal com foto ou certidão de nascimento, além da carteira de vacina.

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