As medidas para conter a crise hídrica têm exercido pressão sobre os custos da energia elétrica. Com isso, já existe elevação dos preços para o setor produtivo, como a indústria. Em consequência disso, cai a competitividade do produto nacional.

Imagem ilustrativa da imagem Setor produtivo já sente na pele os efeitos da crise hídrica

Nove em cada dez empresários consultados pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) dizem que estão preocupados com a crise hídrica, sendo as maiores preocupações o aumento do custo da energia (83% dos que estão preocupados), o racionamento de energia elétrica (63%) e a possibilidade de instabilidade ou de interrupções no fornecimento de energia (61%).

Além disso, segundo a pesquisa em nível nacional que consultou 572 empresas (145 de pequeno porte, 200 médias e 227 grandes), mais da metade dos empresários acredita que ocorrerá racionamento de energia e praticamente todos esperam aumento no custo com energia. A coleta de dados foi feita entre os dias 25 de junho e 2 de julho.

Segundo Roberto Wagner Pereira, especialista em energia da CNI, a crise hídrica deve motivar a indústria a fazer investimentos em eficiência energética e autogeração de energia.

“Uma das principais medidas foi a criação da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, instituída pela Medida Provisória nº 1.055/2021, com o objetivo de administrar a crise em um ambiente multissetorial e definir diretrizes para fixar limites de uso, armazenamento e vazão das usinas hidrelétricas”, pontuou.

Além da MP, ele cita várias outras ações que foram implementadas, como a redução das vazões mínimas das usinas hidroelétricas; a redução do calado na hidrovia Tiete-Paraná; a flexibilização da operação das usinas do Rio São Francisco e a importação de energia do Uruguai e Argentina, entre outras.

O especialista acrescenta que outra medida importante que acaba de ser anunciada é o Programa de Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica – RVD.

“O RVD foi desenhado para os consumidores livres de energia e prevê o pagamento de compensação financeira a empresas que se disponham a reduzir o consumo em determinados períodos”, explica. O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico ainda deliberará sobre o tema.

O consumidor livre tem uma demanda mínima de 1,5 MW e pode escolher o fornecedor de energia elétrica por meio de livre negociação.

O especialista em energia da CNI destaca que a competitividade da indústria brasileira está fortemente correlacionada com o custo de um dos seus principais insumos: a energia elétrica.

“A eletricidade é estratégica para 79% das empresas e pode representar mais de 7% dos custos de produção para algumas atividades industriais, como o caso da indústria de cimento. Em média, o custo da energia elétrica impacta em 3% o custo final dos produtos industriais brasileiros”, pontua.

Entre os setores de indústrias que utilizam muita energia elétrica em seus processos, estão: produção de alumínio, papel e produtos de papel; indústria química; cerâmica; vidro; e indústria siderúrgica.

Indústrias buscam meios de economizar energia

A crise hídrica poderá elevar a conta da energia elétrica em até 16,7% em 2022, projetou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em agosto. Atualmente, de acordo com o Ministério de Minas e Energia, 63,8% da energia consumida no Brasil é gerada em hidrelétricas. Com o nível dos reservatórios abaixo da média, a saída é acionar as termelétricas, que geram energia a partir da queima de combustíveis. Em julho, o governo federal elevou de R$ 9 bilhões para R$ 13 bilhões a previsão de gastos neste ano com o sistema — aumento que é repassado para o consumidor via bandeira vermelha.

Além de aumentar a conta de luz, o reajuste elevará os custos para a indústria, efeito que será sentido no preço dos produtos, já que a energia gerada em termelétricas custa em média o dobro da produzida por hidrelétricas, segundo o engenheiro João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná). “Isso tira a competitividade do produto brasileiro. E já temos uma das energias mais caras do mundo”, diz. “O impacto que temos agora não é o risco iminente de apagão, mas já vemos explodir o custo da energia”.

A projeção é que, se as chuvas não forem suficientes na primavera e no verão, o cenário será de racionamento em 2022. Por isso, no próximo dia 14 a Fiep lançará um programa para incentivar as indústrias a racionalizar o uso de energia. “Isso envolve a troca de lâmpadas no barracão, a instalação de telhas translúcidas, a troca de motores e a busca por vazamentos em compressores de ar, por exemplo", afirma Mohr. A Fiep também vai avaliar o programa anunciado pelo governo federal para as indústrias reduzirem o consumo nos horários de pico. A entidade também quer incentivar as indústrias a gerarem a própria energia ou participarem de cooperativas.

De acordo com Mohr, os setores da indústria mais afetados pela alta da energia são os de siderurgia, metal-mecânico, vestuário, leite e avicultura. “Um aviário que gastava R$ 3,5 mil por mês em energia está gastando R$ 4 mil. O setor de leite tem um custo muito alto de energia e não consegue repassar todos os custos para o produto, acaba trabalhando no prejuízo”. Setores como o alcooleiro, no Norte do estado, e madeireiro tendem a sofrer menos impactos, pois muitas indústrias já geram a própria energia.

Agropecuária é extremamente dependente

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| Foto: Gustavo Carneiro

O coordenador do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep/Senar-PR, Jefrey Albers, explica que a agropecuária é extremamente dependente da água para o desenvolvimento das suas atividades.

“A escassez de chuvas e a irregularidade delas causam diversos prejuízos às lavouras. Chover no momento inadequado também não é bom. Além disso, a redução dos níveis dos reservatórios e dos volumes de água nos rios e aquíferos está impactando as possibilidades de uso e extração e, consequentemente, na quantidade e na qualidade dos produtos agrícolas e pecuários”, pontua.

Desde quando começou a plantar milho, há três anos, o produtor rural Leonardo Pasquini nunca havia tido tantas perdas na safra como a que teve neste ano. Primeiro, entre março e maio, os 70 dias de seca prejudicaram o desenvolvimento da cultura. “Ficou com altura reduzida, o milho não conseguiu se desenvolver.”

E quando choveu, a lavoura já estava com o potencial produtivo afetado, com porte reduzido. “Em julho, o milho tinha dado uma certa recuperada, crescido mais. Mas daí veio a geada forte, sendo que em alguns casos secou até as espigas”, relembra.

O produtor rural contabiliza perdas de 70% entre os 125 hectares plantados de milho, em uma propriedade localizada nos municípios de Nova Esperança (maior parte) e Uniflor, no noroeste do Estado.

“Foi a pior seca desde quando comecei a plantar. Agora não tem o que fazer mais, não tem nenhum produto com eficiência para reverter essa situação. Ainda bem que conto com seguro agrícola para amenizar os custos”, conclui.

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REDUÇÃO

Segundo o coordenador do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep/Senar-PR, os produtores do Estado já vêm reduzindo ao máximo o uso de água e praticando a utilização racional, ainda que não seja possível chegar a extremos como, por exemplo, no caso da pecuária leiteira.

“A restrição de água nessa atividade para dessedentação (ato de tirar a sede) animal reflete na queda da produção de leite. Já na situação da limpeza das instalações, há possibilidade de pequenos ajustes e economias. Para a agricultura, cada cultura tem uma necessidade mínima de água e, no momento adequado, para seu desenvolvimento. Não tem como racionar.”

De acordo com o coordenador, como não é possível controlar as chuvas, as possibilidades ficam restritas ao controle dos reservatórios e fluxo das águas superficiais e subterrâneas, por meio do monitoramento de consumo e outorgas. “Os Comitês das Bacias Hidrográficas vêm se reunindo com frequência e ativaram ‘salas de crise’ para este acompanhamento.”

Ele acrescenta que a energia elétrica é um importante insumo em algumas cadeias específicas, como a avicultura, suinocultura e aquicultura, além da irrigação. “Chegamos a casos em que a energia chega a mais de 20% dos custos de produção, como a avicultura”, pontuou.

A esperança vem de outras fontes renováveis de geração de energia. “A escassez hídrica se relaciona com a energia elétrica, em função da nossa matriz energética, que buscamos alterar por meio da busca de outras fontes renováveis de geração de energia, como a fotovoltaica, já em plena expansão”, conclui.

Geada aumentou impactos na agricultura

Não foi só a estiagem que prejudicou a agricultura no Paraná em 2020 e neste ano: além da falta de chuvas, os produtores enfrentaram as piores geadas desde 1975, segundo o engenheiro agrônomo Flávio Turra, gerente técnico da Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), a organização das cooperativas do Paraná. De acordo com ele, o estado foi o que mais contribuiu com a queda de produção de grãos em todo o país -- a previsão era de uma produção de 272 milhões de toneladas em todo o Brasil neste ano, estimativa que foi reduzida para 254 milhões. O número é inferior ao da safra anterior, de 257 milhões de toneladas.

A cultura mais atingida pela seca e pela geada foi a do milho — 21 milhões de toneladas a menos em todo o país. “Somando os dois eventos, seca e geada, tivemos uma perda de 8,5 milhões de toneladas no Paraná. A previsão para a segunda safra era de 14,5 milhões de toneladas, mas vai ser colhido entre 6 milhões e 6,5 milhões de toneladas”, afirma Turra. “Somando as duas safras, teremos 9,2 milhões de toneladas. O Paraná tem um consumo de 12 a 13 milhões de toneladas por ano, o que explica um pouco o alto preço do milho. Isso impactou diretamente na produção de frangos e suínos”.

A produção de grãos praticamente não terá aumento no estado. “A soja foi plantada fora de época por causa da seca, o que afetou um pouco a produtividade. A expectativa em relação ao trigo era boa, de 3,1 milhões de toneladas em 2020 para 3,8 milhões, mas essa estimativa já foi comprometida pela geada”, diz Turra. “A perda foi generalizada, essa geada pegou toda a região produtora. Foi de intensidade parecida com a de 1975. Quem colheu a safra normal colheu bem, mas que não colheu e não tinha seguro perdeu”.

Turra avalia que o período da seca causou mais impactos do que sua intensidade. “A seca foi maior que a média dos últimos anos e aconteceu em um período crítico, porque atrasou o plantio da soja e milho. A perda do milho foi grande porque a umidade do solo estava muito baixa, às vezes chovia, mas não chegava a repor para sustentar o desenvolvimento da lavoura. Foi um ano difícil, como há muito tempo não acontecia. A gente vinha de sete ou oito safras muito boas, nesse ano complicou”.

Os custos de fertilizantes e herbicidas também cresceram. “O custo dos fertilizantes de milho e soja subiu cerca de 35% nos últimos 12 meses. Na produção de carne de frango e suíno, 80% do custo é composto pelo milho e pela soja, houve um repasse direto no custo de produção. O custo da carne suína e de frango subiu cerca de 50% nos últimos 12 meses”. Os setores de hortaliças e frutas também tiveram perdas. “Isso foi substituído pelo consumo de produtos de fora do estado”, afirma Turra. (Colaborou José Marcos Lopes)

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