Os baixos índices de chuva registrados desde o ano passado colocaram o Brasil em um rumo incerto. No dia 26 de agosto, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou que a geração de energia elétrica será insuficiente a partir de outubro e sugeriu aumentar a importação e colocar em operação mais usinas termelétricas, o que aumenta ainda mais os custos e a tarifa. E a situação pode ficar ainda mais crítica, pois há o risco de o fenômeno La Niña voltar a ocorrer no próximo mês, o que reduziria ainda mais a ocorrência de chuvas.

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| Foto: Sanepar/AEN

A seca que atinge o país é considerada a pior nos últimos 91 anos. No Paraná, os dados do Simepar, o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do estado, indicam que, nos últimos 19 meses (desde janeiro de 2020), o volume de chuvas foi inferior à média histórica em 11 meses, o que reduziu drasticamente o nível dos reservatórios e levou ao rodízio no fornecimento de água na região metropolitana de Curitiba e outras cidades do estado. Abril deste ano foi o mês mais seco dos últimos 23 anos em várias cidades paranaenses, como Londrina, Maringá, Cascavel e Guarapuava.

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| Foto: Gustavo Carneiro

Segundo o diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, Julio Gonchorosky, as regiões do estado mais afetadas pela estiagem são a capital e o Sudoeste. “Londrina tem uma situação mais tranquila, é abastecida pelo Rio Tibagi, que tem um grande volume, mas que também vem sofrendo com a estiagem”, afirma. Entre as 75 cidades da região Nordeste (na classificação da Sanepar), algumas entraram no esquema de rodízio, como Jandaia do Sul e Jardim Alegre. Outras oito estão em estado de alerta.

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| Foto: Gustavo Carneiro

Na região metropolitana de Curitiba a Sanepar adiantou as obras da barragem do Miringuava e iniciou os estudos ambientais para a instalação de um novo reservatório em Fazenda Rio Grande. “Precisamos de mais reservatórios. Mas é importante entender a magnitude dessa estiagem, mesmo com o Miringuava teríamos problemas de abastecimento e rodízio, talvez menos severo”, diz Gonchorosky.

No mês de julho choveu apenas 14,6 mm na região de Curitiba — a média histórica é de 92,4 mm para o mês. Diante da estiagem, a companhia retomou o rodízio de 36 horas no dia 11 de agosto na capital e em outras 13 cidades da região, com um total de 3,6 milhões de habitantes. “Precisamos de chuvas acima da média”, diz Gonchorosky. “Precisamos de pelo menos 100 milímetros por mês. Se chegarmos perto, ficamos no zero a zero. Acima desse índice começamos a acumular”.

A Sanepar vem trabalhando em duas obras estruturantes: a implementação de uma adutora que vai transportar 200 litros por segundo da barragem do Rio Verde, em Campo Largo, até a barragem do Passaúna em Curitiba; e a transposição do Rio Capivari para o Rio Iraí, o que deverá incorporar cerca de 700 litros de água por segundo ao sistema.

“Uma seca como essa pode acontecer a cada 30 ou 40 anos. É uma oscilação normal do planeta”, afirma Pedro Augusto Breda Fontão, coordenador do Laboclima (Laboratório de Climatologia) e professor do Departamento de Geografia da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Segundo ele, o ritmo das precipitações no estado é determinado por fatores como a intensidade das frentes frias, a circulação da atmosfera e a temperatura dos oceanos. As chuvas registradas no verão, de acordo com Fontão, não foram suficientes para repor as perdas de 2020. “Os lençóis freáticos não tiveram tempo para se recuperar”.

A preocupação dos especialistas, diz Fontão, é com a possibilidade de volta do fenômeno La Niña em outubro. O La Niña é o resfriamento da temperatura média do Oceano Pacífico, o que reduz a quantidade de chuvas no sul do continente. “O maior problema na verdade é o futuro”, avalia o coordenador do Laboclima. “Já estamos em uma situação difícil, as Cataratas do Iguaçu estão em um nível baixo, o setor elétrico está começando a segurar água. Estamos levando menos água para onde deveríamos. E a perspectiva é de chuva abaixo do esperado para a primavera”.

O desmatamento também aparece como um fator para menos precipitações. “Quando uma área próxima de nascente é desmatada, afeta todo o microssistema da bacia hidrográfica, onde havia infiltração de água”, explica Fontão. “Se pensarmos em termos de Brasil, no desmatamento do Cerrado ou da Amazônia, onde longas áreas são desmatadas para a entrada do gado, isso muda o padrão de circulação dos ventos, o que a médio ou longo prazo pode afetar diretamente o Paraná”.

Pane seca na capital

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| Foto: iStock

A família da autônoma e dona de casa Suélen Lopes chega a ficar até dois dias sem água. Mãe de três filhos e com o marido doente, Suélen mora em uma casa sem caixa d'água no bairro Novo Mundo, em Curitiba. "Às vezes volta água durante um dia e falta em dois. E quando volta, a água é branca e com cheiro ruim”, conta. Ela ganhou uma cisterna com capacidade para 80 litros dos vizinhos, que vem ajudando nas tarefas diárias. “Se não fosse isso eu estaria sem água agora”.

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| Foto: José Marcos Lopes

Presidente da Associação de Moradores da Vila Maria e Uberlândia, em Curitiba, Fabrício Rodrigues diz que a Sanepar prometeu distribuir caixas d´água na região, mas muitas residências ainda não receberam. “A Sanepar foi de casa em casa e ofereceu uma caixa comunitária, nós não aceitamos”, disse.

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| Foto: José Marcos Lopes

Rodrigues destaca que a região é uma área de nascentes, mas que mesmo assim sofre com a falta de água. No dia em que a reportagem da Folha visitou a associação era preparado o almoço comunitário, que é servido todas as quintas-feiras para pessoas carentes da região. “Estamos preparando o almoço sem água. E estamos em uma bacia, com muitos rios na região. Quando não sofremos com a enchente, sofremos com a seca”.

Moradora do bairro, Andreia Santana conta que teve problemas com a pressão da água. “Aconteceu comigo no início do rodízio, a água voltou com muita pressão e estourou os canos”. diz. “O rodízio deve ser muito bom para quem vende torneira, cano e chuveiro”.

A agente de segurança Paula dos Santos sofre com o problema há mais de um ano, quando se mudou para um apartamento na região central de Curitiba. Nos períodos de desabastecimento, as torneiras secam com rapidez nos 12 apartamentos do condomínio. “Estava acostumada com caixa d’água individual e nunca tinha sofrido com o problema. Agora, com o rodízio, não temos muito o que fazer. A única solução é comprar água”, conta.

A pausa no rodízio havia dado um respiro, mas com o retorno do racionamento, os gastos com água mineral voltaram a aumentar. Para cozinhar e para o consumo, ela e a família gastam cerca de dois galões de 20 litros por semana. Para as outras utilidades, a saída foi improvisar. “Com essa dificuldade de encher a caixa, ficamos praticamente cinco dias sem água. Quando chega, armazenamos em baldes e enchemos a máquina de lavar para usar no banheiro, lavar louça e, às vezes até para o banho”, relata.

Com o orçamento mais apertado pelo gasto extra, além de todo o transtorno causado pela falta d’água, ela não vê a hora de que as chuvas voltem a dar as caras. “Estamos torcendo para que as chuvas venham o quanto antes, porque é uma situação muito difícil. Enquanto isso é preciso que todos façam sua parte e usem a água de forma consciente”, incentiva.

O diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, Julio Gonchorosky, diz que há uma série de requisitos para as residências receberem caixas d’água, o que pode inviabilizar alguns pedidos. “As beneficiadas são famílias incluídas na tarifa social, mas algumas pessoas não conhecem e acabam não se cadastrando”, afirma. Além disso, as casas devem ter até 70 metros quadrados. Segundo ele, cerca de 10 mil caixas d´água já foram distribuídas na região metropolitana de Curitiba.

Sem novas linhas de transmissão, país já estaria em racionamento

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| Foto: Anderson Coelho/27-7-2017

O efeito da crise só não foi pior por causa do aumento nas linhas de transmissão do país desde o apagão de 2001, de 70 mil quilômetros para 164 mil quilômetros, avaliam especialistas. “O fato de estarmos interligados ajuda. Senão, já estaríamos em racionamento”, afirma Mohr, que destaca como outro fator positivo a menor dependência das hidrelétricas (em 2001, 85% da energia consumida no país era desta matriz). “Hoje temos problemas na extremidade do sistema, como ocorreu no Amapá, mas não temos esses problemas no Paraná e em São Paulo. Em 2001, o Paraná tinha água sobrando e não tinha como transmitir a energia”, diz o engenheiro Ivo Pugnaloni, ex-presidente da Copel Distribuição e consultor em energia.

Para Pugnaloni, um fator que pesa na atual crise é a falta de novos reservatórios, tanto para abastecimento quanto para geração de energia. “Quando você tem muitos reservatórios espalhados em um país de dimensões continentais, é muito pequena a chance de todos ficarem vazios”, afirma o engenheiro. “O mal não é a fonte, mas a ausência de mais fontes do mesmo tipo. A energia produzida por uma termelétrica é mais cara que a produzida por uma hidrelétrica”. A Copel informou que as usinas são acionadas segundo programação estabelecida pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), responsável pela estratégia nacional.

Para Pedro Fontão, coordenador do Laboratório de Climatologia da UFPR, faltou planejamento por parte dos operadores. “Quem trabalha com reservatórios de energia elétrica deveria se basear no que aconteceu de extremo no passado, não na média”. Ele avalia que também houve um relaxamento em relação ao abastecimento e cita a região de Curitiba como exemplo. “Desde 1999 havia estimativas sobre o crescimento da demanda e uma disponibilidade hídrica extremamente baixa. Estudos demonstravam a necessidade de novos reservatórios, mas em 20 anos não houve grandes mudanças”.

Atualmente, a matriz elétrica nacional é muito diferente da que existia. Em 2001, ela era pouco diversificada, concentrando-se na geração hidrelétrica, com aproximadamente 83% da potência instalada, seguida pela geração termelétrica (14%), sendo complementada por 2,7% de geração nuclear. Em 2001, não existia geração eólica ou solar digna de nota no Brasil.

Em 2021, o cenário é outro. “A participação da geração hidrelétrica caiu para 62% da potência instalada. Houve forte crescimento da termelétrica, atingindo mais de 24% da matriz. Destaca-se também o relevante aumento da geração eólica, que representa hoje mais de 10%. Vale observar, ainda, o crescente ganho de participação da energia solar (1,9%)”, destaca Roberto Wagner Pereira, especialista em energia da CNI.