Primeiros fósseis foram encontrados em uma estrada municipal nos anos 1970. Atualmente, área é classificada como sítio paleontológico e recebe pesquisadores de várias partes do País
Primeiros fósseis foram encontrados em uma estrada municipal nos anos 1970. Atualmente, área é classificada como sítio paleontológico e recebe pesquisadores de várias partes do País | Foto: UEM/Divulgação

Cruzeiro do Oeste (Noroeste), a 240 quilômetros de Londrina, atravessa um importante processo de construção de uma nova identidade. Povoada por tribos guaranis e xetás, no século passado, a região passou a receber imigrantes italianos, alemães, poloneses japoneses e sírios, além de mineiros, paulistas e sulistas, todos interessados no plantio do café.

Uma história que se confunde com a de Londrina também por seus personagens. Lord Lovat, assessor da missão inglesa que visava analisar o potencial produtivo da região, também passou pelo local que mais tarde, em novembro de 1954, seria denominado Cruzeiro do Oeste.

Mas para se reinventar, a pequena cidade, hoje com 22 mil habitantes, duas empresas de grande porte, três hotéis e economia baseada na pecuária e no comércio, busca seu passado distante. Muito distante: 80 milhões de anos atrás, quando a região era um grande deserto.

Na última semana, pesquisadores anunciaram a descoberta de uma nova espécie de dinossauro batizada de Vespersauros paranaensis. A primeira espécie considerada exclusivamente paranaense faz parte de um grupo enigmático de dinossauros terópodes de pequeno porte do Cretáceo Superior do então continente Gondwana, os Noasaurinae. O nome dado ao animal vem de “vesper” (oeste/noite, em latim), “sauros” (lagarto, em grego).

A história da paleontologia na cidade, no entanto, começou há quase 50 anos, quando o agricultor Alexandre Gustavo Dobruski e seu filho esbarraram em fósseis de pterossauros, um réptil voador pré-histórico. Desacreditados pelos vizinhos, eles estavam convencidos de que as ossadas, descobertas enquanto abriam valetas, remetiam à época dos dinossauros. Assim, os Dobruski enviaram parte do material ao Departamento de História da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), em 1975.

Relatos como este sempre intrigaram a historiadora Neurides Martins, diretora do Museu de Paleontologia da cidade. “As pessoas não acreditavam. Eles passavam ali para levar o leite para a cidade porque moravam a uns 500 metros abaixo do sítio (paleontológico), que na verdade é uma estrada de propriedade da Prefeitura”, explica.

A partir de encontro com ossos “diferentes”, mais leves que os de galinha, a espera por um diagnóstico foi longa. Somente em 2014, após divulgação em revista científica, os achados foram oficializados e nomeados pela ciência. Nasciam a espécie de pterossauro Caiuajara dobruskii, justa homenagem aos agricultores; e Gueragama sulamericana, pequeno lagarto de apenas 18 centímetros de comprimento.

Hoje em dia é possível afirmar que esta “viagem no tempo” encontra-se muito longe do fim, uma vez que a cidade foi coroada com mais uma descoberta. A descoberta do Vespersauros paranaensis vem sendo tratada como de enorme importância para a paleontologia mundial.

CARACTERÍSTICAS

“Era um animal pequeno, com cerca de 1,5 metro de comprimento, bípede com os braços bem reduzidos. Os seus dentes eram em forma de lâmina com as bordas serrilhadas indicando que ele era um carnívoro, então um animal predador”, Explica o ecólogo da USP e mestre em ciências, Max Cardoso Langer, enviado há um ano para colaborar no reconhecimento do fóssil.

Pelas características analisadas, os pesquisadores acreditam que a relação entre o dinossauro paranaense e os pterossauros voadores não tinha nada de harmoniosa. “As patas tinham um único dedo central de suporte e ao lado dedos cujas garras eram modificadas em lâminas. Ele utilizava esta estrutura para capturar suas presas”, detalha Langer.

E foi justamente o formato dos dedos que possibilitou concluir que tratava-se de uma nova espécie brasileira, a oitava dentre os dinossauros carnívoros conhecidos no País e cuja estrutura da garra se assemelha com a dos Velociraptors. “É de longe a mais bem preservada, a que tem praticamente a metade do esqueleto preservado conhecido”, comemora.

As suspeitas sobre o formato das garras encontraram respaldo numa descoberta externa, um ponto maiúsculo desta história digna de uma superprodução de Steven Spielberg. Ao encontrar e fotografar uma pegada diferente na região, na década de 1970, o padre italiano e paleontólogo Giussepe Leonardi contribuiria enormemente com os pesquisadores. Foi como se Leonardi tivesse dado voz ao ser que ali viveu e que, se falasse, teria dito “eu estive aqui”.

Na cerimônia de apresentação, realizada em Maringá, o presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Renato Duarte, parabenizou a equipe e ressaltou a importância da descoberta para a ciência brasileira e internacional

A ‘cidade do dinossauro’

Com a nova descoberta, o objetivo da Prefeitura de Cruzeiro do Oeste é firmar ainda mais a vocação da cidade para a paleontologia. Os fósseis, até então expostos no antigo Fórum do município, ganharão um museu apropriado cuja inauguração está marcada para o mês que vem.

A prefeitura também se encarregou de isolar uma área de 400 metros quadrados do sítio arqueológico para a continuação dos estudos. Até agora, apenas 25 metros quadrados foram escavados em uma região de 400 metros quadrados, “então nós não temos ideia do que vamos encontrar pela frente, tenho muito orgulho de contribuir com a sociedade”, comemora Martins.

De acordo com Helena Bertocco, prefeita desde junho do ano passado, o governo estadual já foi comunicado sobre o que está acontecendo na região. Segundo ela, uma rota do turismo ajudaria economicamente os municípios que ficam entre Umuarama e Guaíra. “Como a região noroeste é muito pobre, não tem nada praticamente na área do turismo, existe uma vontade do governador de desenvolver o turismo nestas áreas. Vamos aproveitar os investimentos no aeroporto de Umuarama, a duplicação de rodovias e nos unir aos municípios vizinhos. Tuneiros do Oeste tem uma reserva de perobas, Mariluz, a cachoeira do Paiquerê. Precisamos pensar de forma integrada”, avalia a prefeita.

No ambiente acadêmico, a expectativa também é grande. O professor Edson Fortes, do Departamento de Geologia da UEM, afirmou que dois alunos do mestrado já começaram a desenvolver pesquisas na área detalhando mais estes ambientes, características minerológicas, diferenciando outras áreas, com mapeamento tridimensional. “A última descoberta foi intrigante porque, até então, se acreditava que neste ambiente não poderia haver vida”.

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