O setor cultural de Londrina não recebeu quieto a informação de que três emendas à LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024 propõem a retirada de recursos do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura) para aplicação nas áreas de segurança, saúde e esporte. A FOLHA mostrou na edição desta sexta (8) que o programa pode perder R$ 3,2 milhões dos R$ 5,3 milhões previstos para o próximo ano caso as propostas sejam aprovadas.

A Emenda 4, assinada pelos vereadores Jessicão (PP), Mara Boca Aberta (sem partido) e Santão (PSC), retira R$ 1,2 milhão do programa e R$ 1,8 milhão da Secretaria de Cultura para destinar à Secretaria de Defesa Social, responsável pela GM (Guarda Municipal). Santão e Jessicão ainda assinam a Emenda 5, que desloca R$ 1 milhão do Promic para o programa “Obras e equipamentos para Atenção Básica” do Fundo Municipal de Saúde, e a Emenda 6, que retira mais R$ 1 milhão do programa para aplicar no orçamento da FEL (Fundação de Esportes de Londrina).

O Orçamento (PL n° 179/2023) deve ir à pauta da CML (Câmara Municipal de Londrina) nas próximas semanas, durante as sessões extraordinárias. São 12 emendas ao texto no total, que ainda não têm pareceres das comissões responsáveis.

O conselheiro, produtor cultural e diretor Álvaro Canholi lembra que esse não é um movimento novo na CML e descreve como um flerte com a censura de produções culturais.

“A quem interessa destruir a cultura de um país, de um estado, dos municípios? Obviamente, àqueles que querem um público desprovido de consciência crítica, de liberdade de pensamento e de sensibilidade com o outro. Esse público é entendido única e exclusivamente como eleitores e não como cidadãos. E aí podemos pensar numa perspectiva local: os três digníssimos vereadores buscam surfar nesta pauta polêmica, que é absurda, para terem projeção na já iniciada campanha para as próximas eleições”, afirma.

Canholi também acredita que a retirada de recursos pode inviabilizar o programa, que já possui um orçamento limitado. Nesse cenário, continua, não há espaço para diminuição de recursos voltados à cultura.

“Se não há reajuste e investimento maior, ano após ano - e os recursos já não passam por revisão há tempos -, como garantir que não teremos pessoas desconectadas com a história de uma cidade? Como garantir que não teremos uma população doente do corpo, da mente e da alma? Não estamos falando somente da inviabilização de um programa cultural, mas da destruição da cultura e da arte feitas por uma cidade que já foi um expoente na área e que agora sofre com estes repetidos ataques”, acrescenta.

A percepção é semelhante à do ator e produtor cultural Eddie Mansan, que ressalta que os valores do Promic “estão ainda distantes de atender à robusta demanda do setor cultural da cidade”. “Anualmente centenas de projetos inscritos e classificados não são contemplados por falta de recurso. Há uma parcela significativa de iniciativas independentes e projetos culturais que não acessam os recursos do Promic, sobretudo de agentes culturais que atuam nas periferias da cidade e lidam com dificuldades e barreiras estruturais que impedem o seu acesso ao programa de fomento”, explica.

É por isso que, para Mansan, um corte que representa cerca de 60% do orçamento do programa pode inviabilizar centenas de projetos de produção, criação e difusão cultural espalhados por todas as regiões de Londrina.

“Projetos, inclusive, que em muitas ocasiões além de democratizar o acesso à cultura, também contribuem enquanto aliados às políticas de Educação, Saúde, Segurança Pública e Assistência Social em territórios vulneráveis, dada a incapacidade do Estado em dar conta de atuar pura e simplesmente sozinho”, explica.

Segundo Mansan, a mesa do Conselho Municipal de Política Cultural convocou uma reunião para segunda-feira (11) com o intuito de discutir o assunto.

"Não estamos falando de algo supérfluo. A arte tira a criança e o adolescente das ruas; a arte cura a depressão, transforma a tristeza em felicidade. A cultura é patrimônio, história e registro de uma nação. Garante que não haja apagamentos na história, e nos ensina a não cometermos os mesmos erros do passado. O que os vereadores querem é perpetuar a ignorância, a frieza e a burrice de um povo sem arte e cultura", critica Canholi, que garante que haverá mobilização do setor contra as emendas, assim como ocorreu em anos anteriores.

Além dos R$ 3,2 milhões do Promic, vereadores querem retirar R$ 1,8 milhão do orçamento da Secretaria de Cultura
Além dos R$ 3,2 milhões do Promic, vereadores querem retirar R$ 1,8 milhão do orçamento da Secretaria de Cultura | Foto: Gustavo Carneiro/Arquivo FOLHA

‘ATAQUE À CULTURA’

O professor Kennedy Piau, do Departamento de Arte Visual da UEL (Universidade Estadual de Londrina), afirma que o segmento político que propõe cortes na cultura “é reacionário, antidemocrático, com forte acento na hipocrisia”, com negação de uma educação libertadora, da ciência, da cultura e das artes.

“O ataque à cultura cumpre basicamente três finalidades: inviabilizar programas, projetos e serviços públicos de cultura, dificultando a formação da população para o desenvolvimento da sensibilidade, da crítica e do respeito à diversidade, enfim, da cidadania”, afirma.

O professor conta que, em 2020, apresentou um estudo na CML alertando que, em 2003, no início do programa, o orçamento da pasta de Cultura correspondia a 1,55% do Orçamento Municipal. De lá para cá, caiu para metade disso.

“Com a correção da inflação do período, o orçamento do Promic deveria ser de mais de R$ 15 milhões. A proposta orçamentária do Executivo é de R$ 5,3 milhões para 2024. Ou seja, mesmo sem essas emendas, o Promic já perdeu dois terços do seu orçamento nos últimos 20 anos. A aprovação das emendas acentua, sobremaneira, o processo de inviabilização do Programa Municipal de Cultura de Londrina”, alerta.

CENTRO CULTURAL

O professor de Filosofia Política da UEL, Clodomiro Bannwart Júnior, classifica como “lamentável” esse cenário em uma cidade com boa estrutura de ensino e com festivais como o Internacional de Teatro e o de Música.

“Londrina é conhecida como um centro cultural bastante significativo, e o poder público não consegue melhorar as condições para que a gente possa entrar ainda mais em outros circuitos, nacionais e internacionais, e quando você vê o próprio Legislativo querendo tirar dinheiro dessa pasta, que é pouco, é uma demonstração que nós não temos apreço, do ponto de vista da nossa formação pessoal, pelo elemento cultural”, avalia.