Segundo a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, todos são iguais perante a lei. Como para toda regra há uma exceção, um trecho do texto afirma que, dependendo do cargo que ocupe, a figura pública tem direito a ser julgada por órgãos da Justiça em instâncias superiores, o que popularmente é chamado de foro privilegiado. O tema, que é motivo de discordâncias e debate no País há anos e levanta questionamentos sobre a eficiência das punições, em especial nos casos de corrupção, é motivo de campanha por parte de alguns parlamentares. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) n° 10 de 2013, já aprovada no Senado, aguarda ser colocada em pauta na Câmara dos Deputados. Uma campanha pública nesse sentido tem sido feita pelo senador Alvaro Dias (PODE-PR), o autor do projeto. “A dificuldade é colocar a pauta na ordem do dia. Porque, quando apresentada, é difícil que alguém vote contra. O projeto está pronto há mais de 540 dias para a liberação. Está nas mãos da mesa diretora e basta uma sessão de dois turnos para que possa ser promulgado”, afirma Dias à FOLHA.

Imagem ilustrativa da imagem Senadores fazem campanha por votação do fim do foro privilegiado
| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A proposta retiraria o direito de mais de 55.000 autoridades, que passariam a ser julgadas por crimes comuns a partir da primeira instância. Ministros, governadores, prefeitos, chefes das Forças Armadas e todos os integrantes, em qualquer esfera de poder, do Legislativo, do Ministério Público, do Judiciário e dos Tribunais de Contas, entrariam no rol daquele trecho da Carta Magna que afirma que todos são iguais perante a lei. Os únicos cinco excluídos na proposta são o presidente da República e o vice; e os presidentes da Câmara, do Senado e do STF (Supremo Tribunal Federal). “Seria um passo civilizatório muito importante na direção de uma nova justiça. Em nenhum país se encontrará nada parecido como o que acontece no Brasil. Se considerarmos a Lava Jato, temos um exemplo do que ocorre: 285 condenações em cinco anos e meio em primeira e segunda instância. No Supremo, só uma. Isso retrata bem a importância do fim do foro privilegiado”, defende Dias.

OPINIÕES

A pressão da campanha dos senadores é em direção ao presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em dezembro do ano passado, ele havia se comprometido publicamente a pautar o projeto no início de 2020. A fala foi depois que a proposta foi aprovada na comissão especial, quando relatada pelo deputado Efraim Filho (DEM-PB). Entre os líderes da Casa, não há consenso sobre a matéria. Por esse motivo, o texto não foi encaminhado para apreciação no plenário. Com as sessões virtuais no Congresso, sem as articulações tête-à-tête, a proximidade de que o assunto volte à discussão parece remota. Publicamente, o senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR) se dirigiu a Maia pedindo que ele desengavete o projeto. “O Brasil merece ter políticos honestos que não precisam de foro privilegiado”, afirmou.

Na conjuntura da Câmara Federal, com seus 513 deputados, a variedade de opiniões é grande. A pressão da opinião pública deve ter um enorme peso na hora de decidir qual posição tomar. Líder do PT na Casa, o paranaense Ênio Verri lembra que a escolha por acabar com o foro privilegiado pode ter duas faces. Em sua opinião, políticos de ascendência rica e com grande influência local teriam vantagens em ser julgados em primeira instância, o que, na verdade, poderia aumentar a impunidade. “Penso que, no Supremo, a distância dos ministros é maior e também não há tantas instâncias para recorrer. Se for para votar, me parece que é uma matéria difícil de fazer uma análise na atual conjuntura, mas, se a população deseja isso, voto a favor”, garante o parlamentar.

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| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

CAMPANHA

O movimento já ganhou vídeo nas redes sociais e outros senadores da base de Dias também vêm pressionando a opinião pública. Caso de Eduardo Girão (PODE-CE), que estimulou seus seguidores nas redes sociais a encamparem o tema. “Penso que, sem a pressão legítima da sociedade sobre os parlamentares, essa PEC continuará dormindo. Trata-se de um inadmissível desrespeito ao povo brasileiro, que, mesmo pagando tantos impostos, tem enorme dificuldade em ter acesso à Justiça comum”, escreveu. Na própria página na internet do Senado, uma consulta pública apontou que 56.511 pessoas se posicionaram a favor, enquanto 187 foram contrárias ao tema. E o senador Oriovisto Guimarães aumenta a cobrança. “O fim do foro privilegiado e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância podem mudar o Brasil porque podem acabar com a impunidade para os políticos. Acaba também com o protagonismo do STF. Os ministros acabam podendo muito porque têm muitos processos que correm nas suas mãos”, defende.

A bancada do Paraná inteira no Senado apoia a aprovação imediata do projeto de emenda à Constituição, que passaria a ter validade imediata e não precisa passar pela sanção do presidente da República. O senador Flávio Arns acredita que a mudança na lei tornará o ambiente legal mais justo no País. “É muito importante que se vote na Câmara dos Deputados a PEC que acaba com o foro privilegiado por prerrogativa de função. É uma vergonha o Parlamento não votar esse projeto, tão importante no combate à corrupção e que conta com o apoio da sociedade brasileira. Os cidadãos querem ter um país mais justo e para isso o Congresso Nacional precisa fazer o seu papel e pautar o projeto”, diz Arns à FOLHA.

HISTÓRICO

Mesmo no Senado a tramitação dependeu de bastante empenho dos interessados no assunto. Em março de 2017, na legislatura anterior, quando a PEC havia sido apresentada, o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) tomou iniciativa para buscar assinaturas de senadores a favor da urgência no projeto. Entre os 81 senadores, 37 assinaram o requerimento para que o presidente do Senado, na ocasião, Eunício Oliveira (MDB-CE), pautasse a discussão. Acabou sendo aprovado com unanimidade em maio do mesmo ano. Recentemente, Rodrigues, que foi relator da proposta, inclusive, colocou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na discussão. Em suas redes sociais, ele questionou se havia interesse geral no tema. “Como votará a base do presidente nessa questão? Por que não há um grande movimento pelo fim do foro privilegiado?”, questionou.