São Paulo - A reabertura de um inquérito em maio sobre suspeitas de fraudes no início da Operação Lava Jato levou um delegado da Polícia Federal que atuou na operação a pedir que o caso fosse novamente arquivado e a classificar a retomada da investigação como "revanchismo".

O inquérito trata da suspeita de conduta ilegal de integrantes da PF em 2014 por terem supostamente utilizado Meire Poza, que havia sido contadora do doleiro Alberto Youssef, como "agente infiltrada" de maneira informal, colhendo informações por meio de documentos e de gravações.

Imagem ilustrativa da imagem Inquérito sobre suspeita na Lava Jato é reaberto
| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A apuração que levanta essa hipótese aponta ainda a possibilidade de ter havido uma busca e apreensão falsa no escritório de Meire para "esquentar" as provas entregues por ela para que pudessem ser usadas em ação penal.

Também afirma que Meire seria uma colaboradora informal, inclusive com a concessão de benesses legais, mas sem a formalização dessa situação. As investigações a respeito do episódio foram iniciadas em São Paulo e enviadas pela Justiça a Curitiba, a pedido do Ministério Público Federal. Em 2017, o inquérito foi arquivado. Em maio, no entanto, o juiz Eduardo Appio, que atuava na vara da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná, reabriu o inquérito.

Appio, crítico da operação e suspeito de ter usado informações da Justiça para constranger outro magistrado, foi afastado do cargo no mesmo mês pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), sediado em Porto Alegre. O TRF-4 havia também declarado o juiz suspeito nos processos da Lava Jato, mas o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli anulou a decisão da corte. Atualmente, Appio é alvo de uma investigação disciplinar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

TRANCAMENTO

Em julho, a defesa do delegado da PF Márcio Anselmo, que atuou na operação envolvendo informações de Meire, pediu ao TRF-4 que a investigação fosse trancada. Na peça, o advogado de Anselmo, Nelson Wilians, diz que a corporação já concluiu pela "inexistência de delitos e transgressões disciplinares" por parte do delegado. "Em 2023, os fatos são requentados e o inquérito policial é desarquivado, sem qualquer tipo de prova relevante", diz Wilians.

"Trata-se de uma situação totalmente atípica, porquanto, inexistem novas provas ou apuração de novos fatos para ensejar o desarquivamento do inquérito. Ademais, a conduta do juízo causa estranheza, pois denota-se um caráter revanchista contra os investigadores que participaram da Operação Lava Jato". Após o pedido e o afastamento de Appio, o caso se tornou novamente sigiloso. Desde julho, aguarda uma decisão do relator no TRF-4. Procurado, Anselmo não se manifestou sobre o caso. A reportagem não conseguiu localizar Meire Poza ou sua defesa. A Justiça Federal do Paraná não informou qual o andamento do inquérito.

Investigações começaram há sete anos

O caso sobre o envolvimento do delegado da PF Márcio Anselmo e de outros integrantes da Lava Jato com a contadora Meire Poza começou a ser investigado pela Corregedoria da PF em São Paulo em 2016, de forma preliminar, com base em uma reportagem da revista Carta Capital sobre a episódio e em documentos entregues ao Ministério da Justiça. A reportagem teve acesso à investigação.

Serviram como elementos para a apuração depoimentos e entrevistas da contadora e mensagens de WhatsApp trocadas entre ela e Márcio Anselmo, além de outros membros da Polícia Federal.

Uma das conversas de WhatsApp apresentadas por Meire com "Dr. Marcio" é de maio de 2014. Essa troca de mensagens é um dos exemplos da suspeita de que a contadora colaborava informalmente para a operação.

Nela, o interlocutor de Meire diz que está com procuradores do MPF (Ministério Público Federal) e "acertando com eles a tua imunidade". "Posso ir sem advogado?", pergunta Meire em uma das mensagens. "Estamos acertando a tua situação. O ideal é que venha sem", responde o interlocutor.

Em outros diálogos, eram trocadas informações sobre pessoas relacionadas a Youssef, entre elas políticos. Com base nesses documentos, em setembro de 2016 o delegado Márcio Magno Carvalho Xavier, da Corregedoria em São Paulo, pediu que fosse aberto o inquérito policial sobre o caso. Ele solicitou quebras de sigilos de integrantes da PF.

Pediu, ainda, que o caso tramitasse em São Paulo, onde ocorreram as buscas e apreensões, e não em Curitiba. Para ele, deveriam ser investigados os crimes de fraude processual, prevaricação e falsidade ideológica.

"Não é aceitável que um órgão como a Polícia Federal, dotado de inúmeras atribuições relevantes e informações sigilosas, possua dentre seus servidores alguns que utilizem informações, práticas e métodos para outros fins que não sejam aqueles previstos na Carta Magna e nas demais leis e normativos", disse Xavier.

"Ainda mais com a possibilidade de detrimento de bens e direitos de terceiros (a quem os policiais fizeram o juramento de defender)."

No entanto, o Ministério Público Federal em São Paulo defendeu que o caso fosse enviado ao Paraná, onde ocorriam as investigações relacionadas à Lava Jato.

"Com efeito, embora na narrativa do pleito do policial não esteja claro, verifica-se a partir da análise atenta das alegadas irregularidades que, com exceção da busca e apreensão realizada no escritório de Meire Poza em São Paulo, todos os demais atos teriam sido consumados em Curitiba/PR, por razões óbvias", disse a procuradora Priscila Pinheiro de Carvalho.

Em 5 de outubro de 2016, o caso foi enviado pela Justiça a Curitiba e o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, determinou a abertura de inquérito com um alto grau de sigilo. Mesmo depois do seu arquivamento, em 2017, o sigilo do caso não foi retirado pelo ex-juiz, que hoje é senador.