Depois de outras produções que tratam de acontecimentos recentes da política brasileira, como “Democracia em Vertigem“ e “O Mecanismo”, chegou na semana passada aos cinemas o documentário “Amigo Secreto”, que faz uma releitura da operação Lava Jato a partir da série de reportagens que ficou conhecida como Vaza Jato. Dirigido por Maria Augusta Ramos, o filme foi apresentado a jornalistas e convidados na segunda-feira, dia 20, em Curitiba. A FOLHA acompanhou a sessão.

Imagem ilustrativa da imagem Documentário "Amigo Secreto" faz releitura da Lava Jato
| Foto: iStock

Os personagens centrais de “Amigo Secreto” são quatro jornalistas que participaram da investigação: Carla Jimenez, Regiane Oliveira e Marina Rossi, do “El País Brasil”, e Leandro Demori, do “The Intercept Brasil”. A Vaza Jato foi baseada em mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato por meio do aplicativo Telegram, interceptadas pelo hacker Walter Delgatti Neto. As reportagens veiculadas pela série culminaram numa revisão das sentenças envolvendo especialmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por parte do STF (Supremo Tribunal Federal), que acabou anulando as condenações impostas pelo então juiz Sergio Moro.

Público assiste ao lançamento de "Amigo Secreto" em Curitiba
Público assiste ao lançamento de "Amigo Secreto" em Curitiba | Foto: Gibran Mendes/Divulgação/"Amigo Secreto"

O ponto de partida é o depoimento de Lula a Moro, em maio de 2017, no âmbito do processo sobre o imóvel do Guarujá (SP) que gerou a primeira condenação do petista. O documentário salta para 2019 e, com base na investigação feita pelos jornalistas, passa a mostrar os principais fatos políticos do Brasil desde a publicação da primeira matéria da série Vaza Jato, pelo “The Intercept Brasil”, em julho de 2019.

Em ordem cronológica, o documentário mostra, entre outras, cenas da reunião ministerial de abril de 2020 — em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) pede para o povo se armar e o ex-ministro Ricardo Salles fala em “passar a boiada” —, da demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, do julgamento da suspeição do ex-juiz e dos atos de 7 de setembro do ano passado, quando apoiadores de Bolsonaro pediram o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Cartaz de divulgação do documentário
Cartaz de divulgação do documentário | Foto: Divulgação/Documentário Amigo Secreto

A tese de “Amigo Secreto” é que, ao usar de métodos supostamente abusivos, a Lava Jato favoreceu a vitória de Bolsonaro na eleição de 2018, contribuiu para desencadear as crises econômica, sanitária e ambiental que o país enfrenta e ajudou a minar o sistema democrático. O filme termina com uma imagem aérea de covas abertas para receber corpos vítimas da Covid-19 e a filiação de Moro ao Podemos, em novembro (depois ele migrou para o União Brasil). A última cena é uma longa tomada de uma grande queimada na Amazônia.

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Delação

“Amigo Secreto” traz depoimentos de advogados, juristas, sindicalistas e envolvidos na Lava Jato, em forma de entrevistas dadas aos quatro jornalistas. No depoimento que mais repercutiu, o ex-diretor de relações internacionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar, diz que foi pressionado a envolver Lula em sua delação.

“Eu e outro levávamos ‘bola preta’. ‘Você não falou o suficiente, vai e volta, vai e volta, senão não aceitamos o teu acordo’. Aí estava muito nítido que era uma questão com o Lula. Ele queria saber do irmão do Lula, do filho do Lula, das palestras do Lula”, afirmou Alencar, preso em 2015, na 14ª fase da operação. “Sabemos de casos notórios, (...) mentiram para tentar escapar. Eu cheguei ao limite da minha verdade”.

O executivo disse ainda que as empreiteiras pagavam propinas para todos os candidatos à presidência em 2014, mas que o valor destinado ao PSDB foi omitido. “Para a campanha de 2014, para a Dilma (Rousseff) e o Aécio (Neves) foi mais ou menos do mesmo tamanho”. Segundo ele, outro executivo preso em Curitiba foi solto imediatamente após delatar uma propina paga à candidatura de Aécio Neves. “A minha colaboração tem vários caixas dois, infinitos. Mas não aconteceu nada com ninguém. Aconteceu comigo”, disse Alencar.

Imagem ilustrativa da imagem Documentário "Amigo Secreto" faz releitura da Lava Jato
| Foto: Divulgação/Documentário Amigo Secreto

Outros pontos polêmicos são os que mostram a suposta colaboração de agentes norte-americanos com a Lava Jato e a apresentação em que o procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da operação, usa o power point para qualificar Lula como “chefe de quadrilha”. Depoimentos falam ainda sobre a prática conhecida como “porta giratória” — agentes públicos que deixam seus cargos para atuarem na mesma área na iniciativa privada, como teria sido o caso de Sergio Moro ao trabalhar para a Alvarez & Marsal, que administra a recuperação judicial da Odebrecht.

Releitura

Segundo Maria Augusta Ramos, o filme não é sobre a Vaza Jato, mas busca mostrar uma nova visão sobre a Lava Jato. “O filme é uma releitura da Lava Jato a partir da investigação desses jornalistas. O filme tenta não só refletir, mas fazer uma releitura da Lava Jato e das consequências para o Brasil e a economia brasileira, o que a gente está vivendo hoje”.

Maria Augusta Ramos
Maria Augusta Ramos | Foto: Gibran Mendes/Divulgação/Amigo Secreto

As gravações, que começaram em 2019, somam 150 horas. A última cena foi gravada no início deste ano. “Em geral os filmes sobre justiça se passam no presente, não usam material de arquivo. Esse filme tem uma construção cronológica que foi muito complicada, mas que é muito necessária para entendermos como chegamos até aqui”.

Leandro Demori disse que os jornalistas não tinham noção do impacto que a série de reportagens teria. “Foi um trabalho colossal, só fui me dar conta em termos de impacto político e social muitos meses depois”, afirmou. “O importante é que são jornalistas trabalhando. Isso é o principal para a gente”.

Leandro Demori
Leandro Demori | Foto: Gibran Mendes/Divulgação/Amigo Secreto

“Amigo Secreto” é uma coprodução da brasileira Nofoco Filmes, da holandesa Docmakers e a da alemã GebroedersBeetz Filmproduktion, com coprodução da Vitrine Filmes. Maria Augusta Ramos já dirigiu o documentário “O Processo”, sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

CITADOS

À FOLHA, Moro chamou a investigação Vaza Jato de “farsa jato” porque segundo ele visa inverter a lógica da operação, ignorando os crimes de corrupção revelados pela força-tarefa e rotulando “os criminosos de inocentes”. O ex-procurador Deltan Dallagnol também foi procurado, mas sua assessoria informou que ele não comentaria o assunto.

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