Defesas contestam provas e usam comparações bíblicas no STF
Advogados de denunciados pela PGR no segundo núcleo da tentativa de golpe de estado afirmam que clientes sofrem injustiças no tribunal
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 22 de abril de 2025
Advogados de denunciados pela PGR no segundo núcleo da tentativa de golpe de estado afirmam que clientes sofrem injustiças no tribunal
Ana Pompeu e Cézar Feitoza - Folhapress

Brasília - As defesas dos denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no segundo núcleo da trama golpista de 2022 recorreram a comparações bíblicas para argumentar que os acusados estão sofrendo injustiças no tribunal, com liberdades restritas e sem provas robustas de participação no plano ao final do governo Jair Bolsonaro (PL).
Aos ministros da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), o advogado e ex-desembargador Sebastião Coelho comparou seu cliente, Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, ao apóstolo Paulo e a Jesus Cristo.
"Filipe Martins aguarda que esse tribunal, hoje, dê ouvidos à sua defesa e que aquele processo de crucificação que Jesus sofreu e Filipe Martins está sofrendo desde 8 de fevereiro de 2024 tem que acabar hoje. Vossas Excelências têm o poder para acabar com isso", disse.
A declaração foi dada durante a sustentação oral do advogado no julgamento que pode receber a denúncia contra Filipe Martins e outros cinco acusados por participação na tentativa de golpe de Estado no fim de 2022.
"Não há justa causa para receber a denúncia contra Filipe Martins. Ele é um garoto brilhante, que aos 31 anos de idade exerceu o cargo de assessor internacional do presidente da República, mesmo cargo que hoje é exercido pelo ministro Celso Amorim, de 82 anos, já foi ministros de duas pastas", disse Sebastião em relação a Filipe Martins, que, em 2024, chegou a ser condenado por um gesto supremacista branco em audiência no Senado.
A mesma tática foi usada pelo advogado Marcus Vinicius Figueiredo, defensor do general da reserva Mario Fernandes. Ele citou a história bíblica de Jonas, chamado por Deus para informar do castigo divino à cidade de Nínive, capital do Império Assírio.
"Ele tenta se esquivar, mas acaba tendo de cumprir aquela missão de Deus. E cumpre tão bem que seus moradores e o rei se redimem em jejum, e ele cai em desgraça porque não poderia aceitar que contra os seus inimigos Deus conferisse misericórdia. E nasce o adágio: toda a misericórdia aos meus, mas todo o rigor de juízo aos inimigos", disse Marcus.
O advogado ainda pediu aos ministros do Supremo que não tirassem conclusões sobre a denúncia da trama golpista neste momento e que o processo tenha garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
As menções bíblicas a histórias de misericórdia e graça divina no tribunal foram elogiadas pelo ministro Flávio Dino, católico. Ele citou a história de Gênesis sobre a separação da terra e da água para defender a atuação do Ministério Público Federal.
A Primeira Turma do Supremo deu início nesta terça-feira à análise da acusação contra o segundo núcleo da denúncia da PGR sobre a tentativa de golpe.
Os denunciados são Fernando de Souza Oliveira (ex-integrante do Ministério da Justiça), Filipe Martins (ex-assessor internacional da Presidência), Marcelo Costa Câmara (ex-assessor da Presidência), Marília Ferreira (ex-integrantes do Ministério da Justiça), Mário Fernandes (ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência) e Silvinei Vasques (ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal).
Eles são acusados de cinco crimes: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
SUSTENTAÇÃO ORAL
A primeira parte do julgamento foi destinada às sustentações orais das partes. O primeiro a falar foi o procurador-geral, Paulo Gonet, que não usou todo o tempo disponível para a manifestação da acusação (poderia falar por meia hora, mas usou cerca de dez minutos).
"Na sessão de recebimento da denúncia de 26 de março, o panorama dos fatos foi detidamente repassado e a denúncia foi recebida a unanimidade. A narrativa dos fatos tida pela Turma como suficiente para ensejar a abertura do processo penal são as mesmas. Mantenho minhas manifestações no entendimento de que não será diferente", disse.
Ele afirmou que a corte já rejeitou a preliminar de suspeição de ministros, de incompetência da Turma para julgar o caso, a ilegalidade da apresentação simultânea de respostas dos acusados e do delator, o impedimento de acesso a elementos de provas, bem como a nulidade da delação de Mauro Cid.
ARGUMENTOS DAS DEFESAS
Além das citações bíblicas, as defesas argumentaram que as provas apresentadas pela PGR de participação dos acusados na trama golpista são fracas e merecem ser rebatidas.
Sebastião Coelho, que no julgamento da primeira parte da denúncia da PGR foi detido em flagrante pela Polícia Judicial do STF por desacato e ofensas ao tribunal, defendeu nesta terça que as citações feitas a Filipe Martins nos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-comandante do Exército general Freire Gomes são vagas e imprecisas.
O assessor "possivelmente" estava na reunião golpista, diz o advogado após ler o depoimento do general, apelidado pelo advogado de "herói da vez".
"Não existe nesses autos uma única mensagem de Filipe Martins para qualquer pessoa", disse Sebastião. "A PGR pode argumentar que a Polícia Federal não foi capaz de quebrar o sigilo de Filipe Martins. Mas o Cid entregou seus celulares e não tem uma única mensagem de Cid para Filipe Martins, não tem absolutamente nada."
O advogado ainda destacou que Filipe Martins foi acusado por supostamente ter elaborado o argumento técnico para uma minuta golpista. Segundo a PF, o documento foi apresentado a Bolsonaro por Martins, o padre José Eduardo e o advogado Amauri Saad —os dois últimos não foram denunciados.
O advogado do general Mario Fernandes, acusado de planejar a morte de Lula (PT) e outras duas pessoas, disse que o plano Punhal Verde e Amarelo não foi apresentado a ninguém. Para ele, a ação clandestina de militares contra o ministro Alexandre de Moraes não foi a execução dos planos do general.
"Eu quero dizer a Vossa Excelência que é fato incontroverso que a minuta não foi apresentada a quem quer que seja. A repercussão material jurídica e penal será analisada no decorrer do processo", disse Marcus Vinicius.
O advogado Danilo David Ribeiro, defensor do delegado da PF e ex-integrante do Ministério da Justiça Fernando Oliveira, disse que ficou surpreso com a denúncia por fatos relacionados ao 8 de janeiro.
Fernando era investigado pela Polícia Federal pelo uso da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para dificultar a ida de eleitores de Lula aos locais de votação no segundo turno das eleições de 2022.
O mesmo foi alegado pela defesa do ex-diretor da PRF Silvinei Vasques. Ela destacou que a taxa de abstenção no segundo turno da eleição presidencial foi a mais baixa desde 2006 —o que, para a defesa, seria suficiente para mostrar que não houve ação da Polícia Rodoviária Federal para atrapalhar o pleito.
O QUE ESTÁ EM ANÁLISE
A Primeira Turma do STF analisa, nessa fase do processo, se a denúncia oferecida pela PGR apresenta indícios de autoria e materialidade dos acusados. Se houver mínimas evidências de que os denunciados praticaram os crimes, a denúncia deve ser recebida e os investigados se tornam réus.
A fase seguinte será a abertura de uma ação penal contra os acusados. No decorrer do processo, as defesas podem indicar testemunhas e apresentar provas da inocência dos réus. Não há prazo para o fim do processo, e o julgamento final pode ocorrer ainda este ano.

