A Polícia Federal interrogou o presidente Jair Bolsonaro na noite desta quarta-feira (3) no Palácio do Planalto sobre a acusação de interferência política dele na corporação. Nesta semana venceria o prazo de 30 dias estipulado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), para que fosse colhido o depoimento do presidente. Bolsonaro é suspeito de interferir na cúpula da corporação para proteger parentes e aliados, suspeita levantada pelo então ministro da Justiça Sergio Moro em abril do ano passado, quando pediu demissão do cargo justamente por causa das alegadas interferências do presidente.

Imagem ilustrativa da imagem Bolsonaro diz à PF que Moro usou indicação ao STF para negociar comando da polícia; ex-ministro rebate
| Foto: Isaac Nóbrega/PR

No depoimento desta quarta, Bolsonaro negou interferência na PF e afirmou que trocou seu comando por uma questão de diálogo. "Nunca teve como intenção, com a alteração da direção geral [da PF], obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal", afirmou o presidente, segundo transcrição da PF.

Ainda disse que Moro teria concordado com a nomeação do delegado Alexandre Ramagem, atualmente na direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), para o comando da PF desde que isso ocorresse após sua indicação para vaga de ministro do STF.

As declarações do presidente ocorreram a uma semana da anunciada filiação do ex-ministro ao Podemos. Ele é apontado como pré-candidato à Presidência.

Moro rebateu as afirmações de Bolsonaro. Disse que "jamais" condicionou eventual troca no comando da PF a uma eventual indicação ao Supremo.

"Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como ministro", afirmou, em nota enviada por sua assessoria de imprensa. "Aliás, nem os próprios ministros do governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem."

No depoimento, Bolsonaro disse que em meados de 2019 solicitou a Moro a troca do então diretor-geral da Polícia Federal "em razão da falta de interlocução" que havia entre ele e o delegado Maurício Valeixo. "Não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo Valeixo, apenas uma falta de interlocução." ​O presidente afirmou que indicou Ramagem "em razão da sua competência e confiança construída ao longo do trabalho de segurança pessoal" durante a campanha eleitoral de 2018.

Em nota, o advogado Rodrigo Sánchez Rios, representante de Moro, disse que a defesa foi surpreendida pela notícia de que o presidente prestou depoimento "sem que a defesa do ex-ministro fosse intimada e comunicada previamente". Isso, segundo o advogado, impediu seu "comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes, nos moldes do que ocorreu por ocasião do depoimento prestado pelo ex-ministro em maio do ano passado".

"A adoção de procedimento diverso para os dois coinvestigados não se justifica, tendo em vista a necessária isonomia entre os depoentes", afirmou o advogado de Moro.

O ex-ministro da Justiça também considerou "impróprio" que o presidente tenha sido ouvido sem que seus advogados tenham sido avisados e pudessem fazer perguntas.