A Folha trouxe reportagem, no dia 23 de abril, que mostrava que a cidade havia conseguido atingir somente 16% do público-alvo da vacinação contra a gripe. Este número, infelizmente, vem acompanhado de outro muito assustador, o aumento do negacionismo, fator determinante para que as pessoas deixem de vacinar seus filhos. Este movimento, que é mais sobre a fabricação de polêmicas politicamente engajadoras do que efetivamente um ideal antivacina, cresceu muito nos últimos anos devido ao apoio de políticos extremistas populares, inclusive em nossa cidade.

Com uso de fakenews, duvida-se da segurança das vacinas e, com isso, espalha-se o medo na sociedade, afinal de contas, quem não tem medo de colocar seu filho em risco, não é mesmo? Diante disso, cabe a pergunta: podem os pais escolher vacinar ou não seus filhos? Esta “escolha” não faz parte da liberdade dos pais na criação de seus filhos? Ou o Estado pode impor os imunizantes? E mais, se os pais se recusarem a vacinar seus filhos, podem ser punidos de alguma forma?

Bem, nos parece meio óbvio que a resposta para as primeiras, mas, como nestes tempos precisamos dizer o óbvio, vamos lá: A vacinação prevista em lei – no caso da vacina da gripe, no Programa Nacional de Imunizações (PNI - Lei nº 6.259/1975) – é obrigatória para crianças e os pais não podem simplesmente escolher vacinar ou não seus filhos.

Essa conclusão é obtida pela leitura de dois dispositivos, principalmente: O primeiro é o artigo 227 da Constituição Federal, que determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde. Veja que a Constituição não impõe à família um direito, mas um dever. O segundo é o artigo 14, parágrafo primeiro, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que a vacinação recomendada pelas autoridades sanitárias, como no caso que analisamos, será obrigatória para as crianças.

Este dever de proteção não é só de uma criança, mas de uma coletividade de crianças, pois sabemos que a imunização funciona com real eficácia quando coletiva. Por isso, não se trata apenas de uma garantia de uma ou duas crianças, mas de todas as crianças brasileiras, não sendo direito de uma ou duas famílias - ou centenas, que seja - colocar em risco centenas de milhares de outras famílias. Ninguém tem – nem poderia ter – esse direito.

Esse foi o entendimento do STF quando do julgamento do tema 1103, que definiu que é “constitucional a obrigatoriedade de imunização” quando a vacina tiver sido prevista no PNI ou por determinação legal – como no caso da vacina da Covid-19 na pandemia. O STF, com o julgamento do caso, definiu que pais não podem deixar de vacinar os filhos, independentemente de questões religiosas, existenciais, filosóficas ou morais.

Tirado este véu dos olhos, podemos por fim responder o último questionamento: os pais que se recusarem a vacinar seus filhos podem ser punidos de alguma forma? A resposta é afirmativa, inclusive na seara penal.

No campo da responsabilidade administrativa, a recusa é considerada como uma infração administrativa pelo artigo 249 do ECA, sendo prevista multa de três a vinte salários – podendo ser o salário-mínimo como referência ou outro arbitrado pelo Poder Judiciário.

Mas não é só. A recusa da vacinação é, sem dúvida, um descumprimento do dever de cuidado familiar e, como tal, pode acarretar a aplicação das medidas previstas no artigo 129 do ECA, dentre elas a "perda da guarda", "destituição da tutela" e/ou "suspensão ou destituição do poder de família". Ou seja, os pais podem perder, mesmo que provisoriamente, a guardo da criança.

Já no âmbito penal, aquele que deixa de vacinar os filhos comete crime contra a saúde, previsto no artigo 268 do Código Penal – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa – com pena de detenção de um mês a um ano, e multa.

Por isso, pais e responsáveis, muito cuidado com as informações que vocês leem por aí, nas redes sociais e nos grupos de “zap”. As informações estão todas à disposição, tanto nos órgãos públicos – como os postos de saúde, mas também em nossas mãos, através do nosso celular, pois basta pesquisar para se verificar o que é verdade e o que é mentira. A vacinação é segura e eficiente e deixar de vacinar seu filho ou filha, além de não ser um direito familiar, ainda pode gerar punições diversas e severas.

Rafael Leone G. Colli, advogado familiar

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