Universidade pública gratuita é mais que mero acesso ao conhecimento ou a um título acadêmico. Compõe um amplo mecanismo de reparação social, uma conquista para o desenvolvimento das comunidades no país, obtida com continuadas lutas ao longo dos anos e aprimorada pelo modelo de cotas, dando aos jovens brasileiros perspectiva de crescimento e de progresso.

Pela Lei de Cotas, o ingresso às universidades públicas tornou-se uma alternativa real para os brasileiros de setores da sociedade historicamente negligenciados e desfavorecidos, além de tornar-se, também, oportunidade de aprimoramento das universidades, que enriqueceram com a maior diversidade dos alunos. E ainda precisamos avançar para ampliar esse efeito e criar mecanismos que garantam a permanência desses alunos.

Depois de quase dez anos dessa política, o Brasil é surpreendido com a possibilidade de votação da PEC 206/2019, que prevê alterar a Constituição Federal para estabelecer que as universidades públicas passem a cobrar mensalidades, acentuando o abismo de oportunidades existente na nossa sociedade.

A política de assistência é uma importante estratégia de democratização do ensino superior no Brasil, ao promover o acesso a bens e serviços públicos que têm elevado as condições de vida acadêmica dos estudantes, visando equidade social.


Esta PEC vem na contramão de tudo isso! Ela reflete um retrocesso sem igual no ensino público brasileiro. A forma proposta pela PEC estabelece dois tipos de cidadãos, os que “podem pagar” e os que “não podem pagar”, cujos critérios seriam, em tese, definidos pelo próprio Estado, a partir do poder Executivo.

Alguém duvida de quais segmentos socioeconômicos terão maior poder de convencimento para obter a isenção do pagamento? Será que “o filho do porteiro” (conforme exemplo do ministro da Economia, a respeito do que ele considera o absurdo das universidades públicas) terá o mesmo poder de convencimento de sua necessidade de isenção do que, por exemplo, “um filho de ministro”? Não nos esqueçamos de como historicamente se dá a “meritocracia” em nosso país... Exemplo disso são as isenções tributárias, com perdões bilionários aos empresários mais ricos do país e aumento da carga de impostos aos mais pobres.

Considerada descabida, desnecessária e eleitoreira, a PEC ignora que as universidades públicas no Brasil, baseadas no tripé ensino, pesquisa e extensão, são constantemente reconhecidas pelos melhores rankings mundiais de desempenho. Isso enquanto, de 2013 a 2022, a perda real de salários de pesquisadores federais foi de 18,3%.

E esses resultados positivos não se devem ao acaso. A universidade pública gratuita devolve muito para o país por meio dos hospitais universitários, clínicas de veterinária, odontologia e inúmeros programas de extensão em todas as áreas do conhecimento que se configuram como melhores e, em alguns casos, únicos no país.

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Cobrar mensalidades para quaisquer estudantes em universidades públicas, é colocar uma barreira intransponível para aqueles que já têm inúmeras barreiras a enfrentar para acessá-las, enquanto para aqueles que já têm facilidades de acesso, isso continuará não fazendo nenhuma diferença.

Tornar paga a universidade pública é arrancá-la da maioria e restringi-la a poucos. É fugir da responsabilidade que os poderes Executivo e Legislativo têm com a redução das desigualdades que marcam nossa sociedade.

Tornar pago o direito ao ensino superior público e de qualidade de forma igualitária para toda a sociedade é fugir da responsabilidade governamental de alocar os recursos públicos onde são necessários para as pessoas, que, com certeza, não estão nos orçamentos secretos e similares. Universidade pública paga é um ato de covardia contra aqueles brasileiros que já têm tão pouco em sua defesa.

O que os brasileiros esperam para esse momento não passa nem perto de cobrança em universidades públicas. Precisamos aumentar os investimentos em educação, ciência e tecnologia, aumentar as políticas públicas de permanência estudantil, diminuir a evasão dos estudantes, colaborar com um melhor aproveitamento e rendimento acadêmico e investir de forma robusta no ensino básico. E isso não se obterá cobrando tais mensalidades.

Gilberto Martin é conselheiro-geral da Alumni UEL (Associação de ex-Alunos da Universidade Estadual de Londrina)

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