Promover a impunidade, e se regozijar dela, é uma tarefa que está no DNA da nossa classe política e dos governantes de plantão, sendo veladamente aceita pelos togados das instâncias superiores do poder judiciário. Nos parlamentos, especialmente na Câmara Federal, a palavra 'anistia' soa como música aos ouvidos da esmagadora maioria dos parlamentares. Propor para eles a aprovação de perdão a crimes do colarinho branco é como 'oferecer doce a uma criança'. Afinal, ninguém quer dispensar uma solidariedade dessa valia, principalmente quando está sujeito à tentação de adotar um 'rabo de palha' e, também, precisar de um indulto.

O que está por trás da proposta para analisar e votar o projeto de lei da anistia para os denunciados por tentativa do golpe de Estado de 8 de janeiro/23, é a essência disso. Os 264 deputados federais que apoiam esse contrassenso, inclusive os quatro de Londrina, ameaçam paralisar a pauta de trabalho da Câmara se as suas reivindicações não forem atendidas. Uma atitude vergonhosa e deplorável; uma irresponsabilidade abominável.

Enquanto eles legislam indiretamente em causa própria, pois o perdão proposto vai beneficiar golpistas filiados aos partidos políticos envolvidos nesse apoio, os interesses do Brasil e dos brasileiros ficarão postergados ao bel-prazer deles. Embora tenham propagado que o perdão é para os "inocentes", que serviram como massa de manobra do vergonhoso quebra-quebra em Brasília, na verdade o alvo principal dos proponentes é indultar a cúpula pensante que engendrou o plano do golpe de Estado e, mais especificamente, o ex-presidente que também se tornou réu no processo.

Essa matéria, ora em debate, demonstra com nitidez como é o comportamento dos políticos no poder. Quando se trata de pautas que motivam o confronto de opiniões, eles fomentam discussões acaloradas, defendem com firmeza os seus posicionamentos, promovem encenações até de rusgas pessoais, 'jogando para a plateia', e muitas vezes radicalizam, obstaculizando a aprovação de leis que atendem às necessidades do país e da população. Porém, quando a causa é de vantagens reciprocas, esses mesmos atores se abraçam nos bastidores, para salvaguardar seus interesses pessoais e garantir o sucesso dos seus anseios comuns.

A perpetuação do escandaloso orçamento secreto e essa desavergonhada anistia são exemplos clássicos do comportamento despudorado da maioria dos nossos parlamentares.

Outro lamentável episódio ocorrido recentemente foi o abrigo concedido pelo governo brasileiro à ex-primeira-dama peruana, condenada por corrupção. Se já não bastassem os venais daqui, agora estamos importando corruptos de outras nacionalidades. Não por coincidência, há indícios que o corruptor da fugitiva peruana é o mesmo que subornou o principal protagonista do escândalo do 'petrolão' brasileiro. A amizade declarada entre o corruptor e seus corrompidos facilitou o asilo mal explicado e causou significativo ônus aos nossos cofres públicos.

Finalmente, mais um caso de corrupção que se arrasta rumo à prescrição. Referimo-nos à crônica, e já por demais constrangedora, impunidade assegurada ao ex-presidente da República cassado em 1992, aquele que confiscou a poupança dos brasileiros. No próximo mês de maio completam-se dois anos da sua condenação pela Suprema Corte. Neste tempo, a prisão está sendo postergada por recursos meramente protelatórios e conta com o beneplácito de uma lentidão inexplicável da instância julgadora. Injustificavelmente, o condenado ainda está solto.

Esses fatos demonstram o quanto estamos desguarnecidos, vulneráveis e à mercê da desonestidade, dos interesses inconfessos e da irracionalidade e estupidez que ameaçam a nossa democracia. A impunidade cresce assustadoramente em todos os sentidos, transmitindo a certeza que no Brasil o crime compensa. Um infortúnio que nos entristece e nos prostra diante da comunidade internacional.

Ludinei Picelli, administrador de empresas

Os artigos, cartas e comentários publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz em exercício da sua atividade jornalística e diante da liberdade de expressão e comunicação que lhes são inerentes.

COMO PARTICIPAR| Os artigos devem conter dados do autor e ter no máximo 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. As cartas devem ter no máximo 700 caracteres e vir acompanhadas de nome completo, RG, endereço, cidade, telefone e profissão ou ocupação.| As opiniões poderão ser resumidas pelo jornal. | ENVIE PARA [email protected]

mockup