Leio, no sítio de divulgação das votações tiradas no Congresso Nacional, que o estado do Paraná, por 66% de seus deputados federais, votou em favor do projeto de lei que estabelece um inconstitucional marco temporal na demarcação das terras dos povos originários.

O projeto de lei é inconstitucional porque restringe a demarcação das terras a época da promulgação da Constituição de 1988, aviltando neste marco temporal a vontade de Constituição à que alude Konrad Hesse, naquilo que a Carta Política estabelece expressamente ‘áreas tradicionalmente ocupadas’.

Tradicionalmente remonta à desde sempre (descobrimento do Brasil há cinco séculos), sendo incompatível qualquer leitura diversa no ponto, na medida em que até a criatividade em ‘mala partem’ do político deveria ter um limite.

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Muito embora o Supremo tenha acatado esse entendimento para um caso isolado (demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, onde se alcunhou o entendimento temporal de ‘tese de Copacabana’), em sede de embargos de declaração o STF limitou o entendimento àquele julgado exclusivamente. Assim o parlamento estava diante da possibilidade de reconhecer a gigantesca exploração do povo originário, que remonta ao descobrimento do Brasil.

Mas não; a possibilidade de resgatar uma minoria cede ante a tentação de agradar a grileiros e latifundiários – e ao agronegócio. Assim e então, com essa vontade de afagar a elite econômica, 66% de legisladores parnanguaras relativizaram a vontade do legislador constituinte, expressamente manifestada na ocupação tradicional.

Historicamente os originários são proprietários de toda nossa terra (talvez por isso o seu epíteto seja povo originário, não é mesmo?). Ademais, a tradição eleita pelo legislador constituinte não nasce com a promulgação da carta.

Outro tanto, não bastou matar, escravizar, estuprar e roubar o índio? Ainda é preciso fazê-lo se sentir um subpovo ao relativizar a vontade da Constituição?

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Meu sentimento é de vergonha alheia pela posição adotada por 66% de nossos representantes na Câmara Federal, naquilo que ao relativizar a expressão ‘ocupação tradicional’ adotada pelo legislador constituinte, além de darem vergonhoso ‘passa moleque’ nos povos originários, beneficiaram injustificadamente (que piada!) grileiros, latifundiários e o próprio agronegócio.

Esse é o ponto; ao se colocar no centro da disputa política, como uma vestal em seu primeiro baile (mentira monstruosa que vende uma imagem falsa de equilíbrio), 66% de nossos representantes políticos jogaram em favor do grande capital, tomando posição que prejudica muito os povos originários.

Há, na descompassada posição deste contingente proporcional (66%), um desfavor social que conflita com a ideia de representação popular, suposto que não será batendo carteira de minoria que parlamentar (66%) dará resposta relevante.

A posição parlamentar do contingente (66%) parnanguara é de fazer corar, ao escancarar sua subserviência à elite econômica.

Além disso, o marco temporal então fixado não faz o menor sentido sócio econômico, naquilo que reverbera (econômica e socialmente) apenas e tão somente em prol de uma ínfima casta econômica – justamente aquela que se beneficia, há séculos, da subserviência de parlamentares sem formação (ética, moral e intelectual) mínima para o exercício liberto da honraria que o múnus político significa.

E o índio? Este segue sendo um detalhe que, no epicentro do discurso neoliberal, hora atrapalha porque não produz; hora estorva porque quer possuir em paz e sem grilagem e/ou garimpo clandestino e/ou sem derrubarem suas árvores e matas, terras que sempre lhes pertenceram e que lhes foram roubadas tradicionalmente, onde só fazem pescar e caçar.

Eita povo preguiçoso, diria um qualquer coach de imbecilização pela internet, sob aplauso (like) tanto da Barbie raivosa quanto de seu parceiro Ken, ambos em mais um dia colorido em cinza e destacado de seus white people problem...

E la nave vá, pelo oceano das ratazanas que não se avexam em desconhecer direito histórico de minoria, em que pese o legislador constituinte em uma época que já me põe saudoso, tê-lo feito.

São cinzas nossos dias, o que os colore é o preto e branco da vida!

Tristes e espoliados trópicos onde, para 66% de nossos deputados federias, a tradicional ocupação das terras originárias nasceu em 1988.

Saudade Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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