Fiquei maravilhado ao ver as inúmeras postagens, em todas as mídias, sobre o cardeal que agora nos deixou. Quem ama se consola em ver e ouvir maravilhas sobre a pessoa amada! De Londrina, Toledo, São Paulo, Salvador, Roma nos chegaram palavras de carinho e admiração por esse homem de Deus.

Dom Geraldo Majella, o “cardeal dom Geraldo” para os amigos. Sublinho este tratamento porque sendo cardeal um título da Igreja Católica não configurativo ao múnus do sacramento, sobra então o nome próprio, que dá conotação de intimidade. E era assim que ele nos brindava. Como amigos.

No círculo de amizade gerada em anos, circulávamos livres e soltos, como compete a pessoas que entram no mundo do outro. O dom nos permitiu entrar em sua vida e na sua intimidade. A simplicidade e o humanismo permeavam os cargos que foi assumindo na Instituição, jamais deixando que lhe roubassem o essencial: a vontade de servir a Igreja, o que fez com maestria em todas as circunstâncias.

Estive na sua posse como arcebispo de Salvador. No templo repleto de fiéis lá estava o Antônio Carlos Magalhães e todos os caciques baianos. Olhei para os lados e pensei: Dom Geraldo não irá sobreviver a este sincretismo religioso e aos magnatas “seculares” do poder! Enganei-me redondamente! Ele nadou de braçada, mesmo na lavagem das escadas do Senhor do Bonfim! Era outro Geraldo, que eu não conhecia. E olhem leitores que ele me recebeu como seminarista, me ordenou padre e me acolheu em Roma em 1996. Essa capacidade de se adaptar e executar a sua missão me surpreendeu ao longo dos anos.

Em 2015 eu fiz bodas de prata sacerdotal e lá estava o Dom na minha terra Natal, celebrando comigo. Como o fez em 1990 na minha ordenação, no mesmo local! Lá, o povo se habituou ao “senhor dom Geraldo” e o considerava de casa! Tornou-se íntimo da minha família e batizou a minha sobrinha. Dom Geraldo amava Portugal e jamais esquecera a sua primeira visita em 1968 dirigindo um fiat 850, quando entrou então num país pobre e foi recebido por um mancebo, na fronteira, que corria na frente do carro indicando-lhe onde comer um “prego no pão”! Sempre dávamos risadas com esse “menino da fronteira”, que lhe abriu a porteira portuguesa!

Dom Geraldo era amigo dos padres. Era humano e compreensivo. Respeitava os processos e caminhava na condução da Igreja com a paciência que deve caracterizar os homens de Deus. Era discreto, porém eficaz! Visitava os párocos numa atitude de carinho, principalmente os inúmeros missionários estrangeiros da época.

Soube herdar uma Arquidiocese das mãos de seu predecessor Dom Geraldo Fernandes e fazer vénia a uma rica, apesar de jovem, história. O passado era para ele chão sagrado onde pisava. As pessoas superiores à Instituição. O amor infinitamente acima das normas e regras! Esse era o bispo, o padre amigo.

Nos últimos tempos, infelizmente, fomos acompanhando o inexorável, mas dolorido aprofundamento de sua doença e velhice. Nos tocava sobremaneira a sua paz e tranquilidade. A sua serenidade. O seu olhar de missão cumprida. Ali estava o guerreiro preparando-se para o descanso eterno. Combateu o bom combate, guardou a fé! Nada devia a ninguém. Estava nas mãos da misericórdia de Deus. Sua fé era o oxigénio que o mantinha. Deu exemplo até ao fim.

Despedimo-nos de um servo da Igreja Católica. Por isso recebeu o título de cardeal. Merecido. Um “príncipe da Igreja”. Era o “nosso cardeal de Londrina”. É nosso patrimônio. Foi assim que pensei quando insisti para que passasse aqui seus últimos anos. Assim foi. Vai em Paz Dom Geraldo!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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