A democracia é o pior sistema que existe, à exceção de todos os outros – uma frase atribuída a Winston Churchill resume bem os desafios do sistema de voto universal em que vivemos. Nos últimos anos, uma nova palavra entrou neste debate e vem desafiando a compreensão da realidade por políticos, estudiosos e pela própria sociedade: a polarização.

O que significa uma sociedade polarizada? É um impeditivo para o avanço das condições sociais e econômicas do país? Existe democracia sem polarização? São questões que merecem uma reflexão em meio aos desafios que o crescimento e desenvolvimento do país nos impõem.

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Entendo que polarização tem um significado hoje de acirramento extremo entre diferentes opiniões que, em regra, fazem parte da democracia. A polarização existe quando há mais de uma visão de mundo sobre a mesa – e não é, em si, negativa. O problema é quando o acirramento passa a bloquear o debate e o desenvolvimento de políticas comuns. Neste ponto, passa-se a não ver legitimidade no oponente e o convencimento pelas ideias dá lugar a um vale tudo na disputa pelo poder. No limite, o risco é que a democracia deixe de entregar resultados positivos à sociedade.

A democracia dos Estados Unidos, a maior e mais antiga do mundo, é exemplo de como a alternância de poder não apresenta óbices ao avanço do país – pelo contrário, por meio do diálogo entre diferentes posições, o país avança em densidade e consistência. Não por menos, em duzentos anos de democracia, os Estados Unidos saíram da posição de colônia britânica para se transformar na maior potência do planeta.

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Importante notar que a democracia, em certo sentido, não é um fim em si mesmo: é um meio para construir uma sociedade contemplando diversos pontos de vista. Estive em alguns encontros da Kettering Foundation, em Ohio, no Estados Unidos, cujos estudos visam entender porque determinadas sociedades, diante de seus problemas, conseguem juntar esforços e encaminhar soluções eficazes; e outras, diante de desafios semelhantes, não chegam a uma convergência política e o debate descamba para novos conflitos, até guerras civis, agravando as necessidades e carências originais.

O desafio central da democracia – na minha visão - é que a diferença de opinião deve servir como alimento para construção de caminhos comuns, não um impeditivo. E a literatura política mostra que, para criar um ambiente político operacional numa democracia, é preciso estabelecer limites: respeito à legitimidade da opinião contrária; preservação das liberdades individuais; sistema jurídico sólido e isonômico; e uso moderado das prerrogativas de poder pelos governantes.

O diálogo promove convergências quando todos os lados participam com boa fé e há um mínimo de confiança entre as partes. Minha experiência na Secretaria Municipal de Gestão Pública de Londrina me mostrou isso. Ao assumir o cargo seis anos atrás, não havia um sistema de compras públicas com controle de prazos, de preços e focado em resultados. A realização de um diagnóstico com a participação efetiva dos servidores, e apoio de especialistas do Núcleo Interdisciplinar de Gestão Pública da UEL, nos levou a estratégias de ação que foram praticamente consensuais.

De início, parecia haver opiniões frontalmente contrárias, mas a criação de um ambiente amistoso ao diálogo levou a uma convergência que conferiu eficiência e organicidade à implantação de um plano de ações. Aprendi, neste processo, que em qualquer área de conflito todos tem um pouco de razão, mas ninguém tem razão em tudo.

A democracia sempre nos oferecerá o desafio de construir políticas públicas pelo caminho mais longo, porém o único que, ao final, refletirá a complexidade e diversidade que compõem a sociedade. Na democracia não há vitórias absolutas, mas a médio e longo prazos pequenas conquistas se acumulam transformando-se em grandes mudanças em prol de todos.

Como diria o antigo primeiro ministro britânico, as ações que tomarmos agora é que definirão como as gerações futuras verão nosso papel diante da história. Como ele, meu sonho é que os filhos de nossos filhos, e os netos de nossos netos, olhem para trás e se orgulhem de que, diante dos desafios de hoje, tomamos, com efetivo espírito democrático, as melhores decisões em favor do planeta e da qualidade de vida do ser humano. É este o grande desafio de nosso tempo.

Fábio Cavazotti é jornalista e Secretário Municipal de Gestão Pública de Londrina

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