Quem avaliou, com honestidade, as cenas de destruição nos palácios dos Três Poderes em Brasília, no último domingo (8), percebeu que vandalismo é uma palavra branda para explicar o acontecimento sem precedentes na história da República. Sem precedentes porque a tentativa de invasão ao Congresso em 2013 - muito citada por quem quer justificar o ato da semana passada - era uma manifestação por pautas específicas. No cerne dos protestos havia, inclusive, o descontentamento pelo aumento da tarifa dos ônibus, estopim que deu origem a manifestações por todo o País. Mas, desta vez, não havia pauta, apenas insurgência pelo fato de Lula ter ganhado a eleição. Fosse o contrário, e ele tivesse perdido, a mesma turma que invadiu a Praça dos Três Poderes estaria batendo bumbos pela eleição que, com certeza, seria reconhecida como legítima. O problema, mais do que de quem ganhou, é de quem perdeu!

O ato da semana passada tem imagens estarrecedoras de obras destruídas por sentimentos condensados no ódio, aquele que pesa a ponto de alguém perfurar sete vezes um quadro de Di Cavalcanti - um dos maiores nomes do Modernismo no Brasil - ou dar pauladas num relógio do século 17, criado por Balthazar Martinot, e que foi um presente da realeza francesa a D. João VI.

Insurgir-se contra obras de arte é assinar a ignorância sobre seu significado. E, neste tópico, entra desde a falta de reconhecimento da tela "As Mulatas", de Di Cavalcanti, como um monumento à diversidade brasileira, até a falta de identificação de que um símbolo da realeza, em vez de "futilidade", é história.

Entrar com um pedaço de pau em edifícios de onde se governa o Brasil é preferir o desgoverno, é ato de quem perdeu totalmente a razão, antes mesmo de atravessar a porta. Uma cegueira ideológica que só o ódio a tudo o que esses espaços representam justifica. Aqueles ambientes, decorados com aqueles objetos, são a representação de valores que deveriam ser respeitados por todos os brasileiros, sobretudo a democracia.

Além de "esfaquearem" um Di Cavalcanti, uma obra de Athos Bulcão, chamada "Painel Vermelho", foi atingida por cacos de vidro, destruíram ainda a escultura "O Flautista", de Bruno Giorgi, derrubaram a escultura "Bailarina" de Victor Brecheret, picharam a estátua "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, arrancaram galhos de uma escultura de Frans Krajcberg, furtaram um exemplar raro da Constituição e deixaram o quadro "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo, boiando numa poça d'água, entre outras coisas.

Nunca se viu tanta raiva a coisas representativas. Se pensarmos simbolicamente, veremos que o ódio foi desferido contra a diversidade brasileira da tela "As Mulatas", contra a cor do "Painel Vermelho", contra a arte de "O Flautista" e da "Bailarina", contra a história do relógio imperial, contra a Constituição que prevê e mantém a legislação e, pasmem, contra o próprio Brasil, quando o grupo que se apossou de sua bandeira - para fazer manifestações vestido de verde-amarelo - não teve nenhuma consideração na hora de arrancar um quadro com o mesmo símbolo da parede e jogá-lo na água, como quem quer mesmo o País à deriva, boiando.

Os vândalos que destruíram obras de arte não sabem mas, no ato, deram bandeira ao investirem contra coisas que detestam: a liberdade, a criatividade, o povo diverso do País, o meio ambiente representado nos galhos de árvore de uma escultura, a lei representada pela Constituição.

O inconsciente nos guia e nos revela a cada ato, sobretudo quando o País está precisando se deitar num divã para se tratar.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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