O Brasil jamais soube lidar com o parlamentarismo. As tentativas sempre frustradas foram a marca do modelo político, desde sua breve implementação nos anos Jango até a derrota no plebiscito em 1993. Fato é que o brasileiro rejeita o sistema, assim como a imensa maioria dos países latino-americanos, por enxergar na mudança de governo e na figura do líder um redentor, salvador, alguém que resgate e impulsione a nação.

No Brasil, neste ciclo democrático mais recente, foi criado o presidencialismo de coalizão, um modelo nascido de uma prática presidencialista, porém desenhado dentro de regras constitucionais parlamentaristas. O resultado é conhecido: uma espécie de disfuncionalidade que se equilibra mesclando decisões presidenciais dentro de um equilíbrio de forças parlamentar, usando mecanismos do parlamentarismo em projetos de iniciativa presidencial. Uma daquelas coisas que ocorrem somente por aqui.

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O debate sobre a troca de sistema sempre esteve em pauta, porém, o Congresso Nacional resolveu alterar as regras do jogo de forma sutil, porém efetiva, sem mudanças bruscas, referendos ou plebiscitos. O controle do orçamento foi o primeiro movimento, seguido da ampliação das emendas impositivas e desaguando nas emendas de relator. Para que o leitor entenda, o poder se movimentou aos poucos do Palácio do Planalto para Câmara e Senado. Um sistema semiparlamentar de fato.

Isso explica por que Lula tem encontrado tanta dificuldade para governar. Se as forças dentro do parlamento não são as mesmas de 2003 ou se o petismo e a esquerda já não possuem o mesmo impulso daqueles tempos, este é apenas um dos componentes. As regras do jogo mudaram e, neste novo modelo, a margem de manobra do Planalto é infinitamente menor do que 20 anos atrás. O resultado é que com parlamentares donos de suas próprias emendas, o poder de barganha do Planalto é infinitamente menor.

Vimos nos últimos tempos um aprofundamento do presidencialismo de coalizão e no seu limite a implantação de um semiparlamentarismo. Com Bolsonaro funcionou pela razão pura e simples de que o governo foi terceirizado para o parlamento, no grupo fisiológico denominado “centrão”, que passou a ocupar os dois lados do balcão, tanto os cargos estratégicos no governo, quanto aqueles situados do outro lado da praça, no Congresso Nacional. Mais do que um semiparlamentarismo, havia um parlamentarismo na prática sob o comando da Câmara dos Deputados.

O problema para Lula é assumir o jogo com novas regras, onde o inquilino do Planalto precisa dividir forças com o parlamento, transformando cada votação em uma batalha e assistir o Congresso Nacional impor sua agenda e derrotas ao governo. O tamanho do desafio é enorme, uma vez que não existe solução fácil, que pode passar por dividir forças com o parlamento, até ampliar a coalizão de partidos em torno de si.

Fato é que Lula venceu pelo centro e na medida que insiste em uma agenda que avance mais pela esquerda, seja na frente doméstica ou internacional, confrontará os políticos. A melhor forma é optar pela prudência, construindo um governo de coalizão que transite pelo meio, de maneira habilidosa e ponderada. Realizar um governo de convergência é o melhor caminho para contornar o semiparlamentarismo “de facto” vigente em nossa política.

Márcio Coimbra, cientista político, ex-diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal, mestre em Ação Política, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília e presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica.

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